O locatário de imóvel comercial não pode ser surpreendido com cobrança de reajuste do valor do aluguel pelo locador após longo período, deslealmente, ainda que haja previsão contratual do encargo, quando criada a expectativa de que não haveria o repasse do reajuste contratual ao locatário.
A pandemia do Covid19 e as restrições sanitárias impostas pelas autoridades trouxeram sérias implicações no setor imobiliário, em que muitos contratos foram rescindidos e outros aditados – na tentativa de restabelecer o equilíbrio contratual entre as partes. Houve locatários que, porém, deixaram de negociar novas condições, especialmente acreditando que não haveria qualquer reajuste contratual dadas as circunstâncias. Contudo, os índices de correção monetária baterem recordes históricos no período e a cobrança a esta altura pode significar valores substanciosos.
Todavia, a cobrança de reajuste retroativo nestas condições viola a boa-fé contratual e caracteriza exercício abusivo de direito, haja vista que o locador não pode criar no locatário a expectativa de que não exercerá o direito de cobrança por longo curso de tempo para cobrar valores significativos no futuro, pois o direito de cobrança fica suprimido pelo não exercício, configurando-se o instituto de direito denominado supressio. A supressio é uma forma de responsabilidade pela confiança.
A título de exemplificação, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, através do Ministro Villas Bôas Cueva, em julgado de caso das lojas de departamentos Havan, ainda em 2019 (cujos encargos de aluguel de um dos imóveis em que exerce sua atividade não foram cobrados), esclareceu que para configuração da supressio – a supressão do direito de cobrança, é necessária a inércia do titular do direito, transcurso de tempo capaz de gerar a expectativa na parte adversa, bem como deslealdade decorrente do exercício posterior do direito, com implicações no equilíbrio da relação contratual (REsp 1803278).
A deslealdade da locadora ficara evidenciada pela falta de transparência contratual ao receber o valor dos alugueis sem ressalvas e requerer o pagamento dos reajustes contratuais pretéritos após o decurso de muitos anos, ao vislumbrar a possibilidade de um ganho vultuoso.
Assim, a dívida relativa a encargos contratuais pretéritos se torna inexigível pela falta de probidade e em descumprimento da boa-fé contratual, ainda que não tenha ocorrido a prescrição do direito de cobrança, por supressão do direito, responsabilizando-se o credor-interessado pela legítima expectativa criada no devedor ao longo do tempo.
Por Josiene Bento da Silva Macedo
Advogada especialista na área cível pela Lopes & Castelo Sociedade de Advogados