É interessante perceber que as novas legislações trabalhistas já nascem em consonância com a privacidade e a proteção de dados. É o caso da Lei 14.611, que versa sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres, e determina, desde o início, que relatórios de transparência sejam construídos e emitidos com respeito à LGPD, bem como que a disponibilização da plataforma digital para o exercício dos deveres advindos respeite a privacidade e a proteção de dados. Conquanto essas disposições no corpo da lei possam parecer acessórias, este não é o caso.
Isso porque o Decreto n.º 11.965 e a Portaria n.º 3.714, que regulamentam a nova lei, reforçam a preocupação do legislador com o tema, trazendo, por um lado, a obrigatoriedade de envio de dados eminentemente não pessoais, deixando de fora assim nome, CPF, RG e outros identificadores, enquanto exige, por outro lado, a anonimização de qualquer informação pessoal sobressalente.
Cabe relembrar: Dado pessoal é tudo aquilo que identifica ou permite identificar uma pessoa natural enquanto anonimização é o processo pelo qual o dado perde características que podem identificar alguém. Por exemplo: Uma lista qualquer com nome e gênero de uma série de pessoas, continua sendo uma lista de gêneros se os nomes forem retirados, mas não pode mais identificar ninguém. Os dados foram assim, anonimizados.
Ocorre que, é neste sentido que surgiu nossa maior preocupação quanto a Lei. O decreto e a portaria determinam que relatórios que contém informações como (i) o número total de trabalhadores separados por sexo, raça e etnia, (ii) valor da remuneração mensal e (iii) cargos ou ocupações do empregado; sejam enviados para o Ministério do Trabalho e publicados no sítio eletrônico dos empregadores, garantida ampla publicidade para empregados e público em geral.
No contexto do envio dos dados ao Ministério do Trabalho, os dados realmente seriam anonimizados, não havendo nomes, CPFs ou qualquer outra forma de identificar o trabalhador individualmente. Porém, no contexto de uma eventual publicação dos mesmos dados em sítio eletrônico, seria possível aos empregados inferir, caso um colega seja o único de sua etnia ou o único em determinada função, por exemplo, quem é este colega e atribuí-lo outras informações do relatório, como salário.
Ocorre que o Ministério das Mulheres, em recente live, esclareceu que os dados dos relatórios que deverão ser publicados, não são aqueles enviados ao Ministério do Trabalho, mas aqueles gerados posteriormente pelo próprio Ministério do Trabalho e entregues ao empregador, focando na diferença estatística de remuneração entre homens e mulheres, sem individualização ou agrupamento que permita a identificação de trabalhadores.
Assim, conforme mencionado pelo Ministério das Mulheres também na aludida live, a publicização dos dados do relatório via internet também não vai afetar o caráter concorrencial das empresas, visto que o estabelecimento de políticas de cargos e salários e despesas com pessoal é informação vital para a manutenção da competitividade e essas informações não serão divulgadas no relatório.
Outrossim, a lei não estipula como será feita a fiscalização da publicização dos relatórios nos websites dos empregadores. Obviamente, o escaneamento dos sites de empregadores é impraticável, então restariam como opções mais factíveis a verificação daqueles sobre quem um processo já estivesse estabelecido por outros motivos ou motivada por denúncias. Ambas as opções enfraquecem a lei, removendo-lhe sobremaneira o caráter democratizador da informação buscado.
Em suma, é muito positivo que legislações tão importantes como a Lei n.º 14.611/23 sejam redigidas já considerando a Lei Geral de Proteção de Dados. O Ministério do Trabalho fez um rigoroso e abrangente trabalho de esquematização das obrigações de divulgação de dados, com respeito à LGPD. Um questionamento que ainda podemos trazer é a efetividade da fiscalização de ordem de publicação de conteúdo na internet.
Por Thiago Bento dos Santos
Advogado de Direito Digital pela Lopes & Castelo Sociedade de Advogados