Na última quarta-feira, dia 06 de janeiro de 2021, no jogo entre Bragantino e São Paulo, pelo Campeonato Brasileiro de Futebol, merece atenção e muita reflexão.
Em que pese o ambiente do futebol ser de alta performance, de certa maneira, informal, com práticas, até certo ponto, toleradas no cotidiano, certamente notamos que no caso analisado nos deparamos com uma exacerbação por parte do treinador que não poderia ser tolerada, ou, muito menos passar despercebida.
O episódio trazido à baila nos faz refletir acerca de um, dos muitos temas, debatidos na seara do Compliance e do Direito do Trabalho: o Ambiente de Trabalho Tóxico e seus reflexos na produtividade das empresas.
Não vamos nos alongar nos conceitos de assédio moral, impactos no contrato de trabalho, possibilidade de rescisão indireta do contrato de trabalho (Art. 483, e da CLT), princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III da Constituição Federal), inviolabilidade da honra com a possibilidade de indenização por danos morais (Artigo 5º, III, V e X da Constituição Federal), ou, ainda na garantia constitucional de um ambiente de trabalho salubre (Art. 7º, XXII e 225 da Constituição Federal), até pois, tais conceitos são amplamente divulgados e sabidos no mundo acadêmico e jurídico.
Apenas para relembrar e ilustrar a temática em debate trazemos o conceito jurídico “mobbing” do Ministro do TST Mauricio Godinho Delgado, no qual, pedimos vênia para transcrever o trecho do acórdão ARR-748-86.2013.5.09.0006, proferido pela 8ª Turma, de Relatoria da Ministra Dora Maria da Costa, publicado no DEJT em 14/12/2018:
“(…) O assédio moral, também conhecido como “mobbing”, é definido doutrinariamente como sendo a “conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de tensão ou desequilíbrio emocionais graves”. (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 717). No âmbito da relação de emprego, o assédio moral “tende a ocorrer de maneira vertical, no sentido descendente – das chefias em direção a chefiado(s) -, ou também no sentido horizontal, oriundo de colegas em direção a outros(as) colegas”, podendo, ainda, ocorrer o “assédio moral vertical ascendente”, do chefiado(s) em direção à(s) chefia(s), embora esse último caso não seja tão comum (DELGADO, Maurício Godinho. obra citada, p. 717). Como o assédio moral visa, em resumo, à exclusão da vítima, mediante terror psicológico, constitui-se em uma das formas de dano aos direitos personalíssimos do indivíduo, suscetível, portanto, de reparação civil. O dano moral e a sua indenização correspondente encontram previsão constitucional no artigo 5º, incisos V e X, que garante serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O fundamento normativo da indenização por dano moral é o princípio da responsabilidade civil, que encontra supedâneo no Código Civil Brasileiro, cujo artigo 186 dispõe que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. O artigo 927 do mesmo diploma legal, por sua vez, prevê que aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Assim, para a configuração do dano é preciso, inequivocamente, a prova de três circunstâncias: a) o elemento objetivo, consistente na ocorrência efetiva de uma ação ou omissão; b) o elemento subjetivo, consistente nos efeitos produzidos por tais atos ou omissões (o dano); c) o nexo causal, de tal forma que se possa dizer extreme de dúvida que houve ação ou omissão culposa ou dolosa do empregador. Ou seja, o dano passível de reparação exige prova robusta da prática do ilícito, além da ampla demonstração do prejuízo sofrido. Ainda, o dano não se sustenta somente na impressão subjetiva do empregado acerca de lesão a direito ínsito de sua personalidade, apesar de se caracterizar por atingir bens incorpóreos como a autoestima, a honra, a privacidade, a imagem, entre outros, sendo imprescindível que fiquem evidenciadas as consequências do ato (ação ou omissão), bem assim as consequências no íntimo do empregado, para que, então, seja reconhecido o direito à indenização por dano moral. (…)” (grifos nossos)
A questão que não quer calar, é: será que a abordagem utilizada pelo treinador, consegue extrair a maior eficiência ou o máximo desempenho dos jogadores a fim de potencializar os resultados do time? Certamente não.
O mesmo paralelo podemos traçar com os trabalhos intelectuais, artísticos ou manuais em todos os tipos de empresas.
Um colaborador que conta com um ambiente de trabalho seguro, um líder engajado, que potencialize seus atributos e seja propício para que suas ideias sejam desenvolvidas, nos moldes que Pirâmide de Maslow (hierarquia das necessidades), ou, ainda, na metodologia “Scrum”, em que os erros são encarados como parte do processo de solução de problemas, contribuem para uma maior efetividade e entrega de resultados com consistência, com a satisfação pessoal, coletiva, reconhecimento e de ganhos duradouros.
Não é à toa que as “Big Techs” criam ambientes de trabalho descontraídos e que minimizam problemas e práticas desnecessárias ao desenvolvimento de seus colaboradores.
Dessa maneira, podemos concluir que a cultura da empresa, focada nas pessoas, nos processos e no produto, são a base para se construir uma empresa que, além de sucesso e lucro, obtenham consistência em seus resultados e reconhecimento do seu papel na sociedade.
Hoje em dia, notamos que não são apenas os impactos financeiros ou as demandas judiciais que trazem riscos ou comprometem a higidez financeira das empresas.
Temos que trazer à tona os temas de compliance que impactam diretamente, inclusive na atração e retenção de talentos nas empresas.
Muitos pensam que o Compliance se dá, tão somente, em empresas nacionais de grande porte ou multinacionais, contudo, essa visão está mudando, o Compliance Trabalhista é um ramo que pode ser absorvido, no caso de empresas em ascensão, através de uma consultoria externa em conjunto ao departamento jurídico ou setor de pessoas (RH) das empresas, ou, até mesmo, por sua direção.
Afinal, as empresas podem ter seus faturamentos abalados com uma inesperada fiscalização do Auditor do Trabalho, denúncia ao Ministério Público do Trabalho, greves e ações coletivas de Sindicatos, entre outras medidas, que venham a comprometer todo seu planejamento, relacionamento com stakeholders e shareholders, reputação no mercado pela falta de atenção a rotinas que passam despercebidas, alinhada com normas internas que deixem claro a conduta esperada pelos seus líderes e colaboradores.
Nesse sentido, além do risco financeiro, há de se ressaltar a possibilidade responsabilização administrativa, civil e até mesmo criminal das pessoas jurídicas, seus dirigentes e administradores, trazida pela inteligência da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), especialmente nos casos das empresas que tem relacionamento com o setor público.
Uma das ferramentas para que se consiga chegar numa avaliação dos planos de ação a serem tomados nas empresas é o chamado Mapa de Risco, que visa identificar as atividades ou processos que venham a comprometer as operações da empresa, com essa ferramenta, conseguimos extrair e avaliar os pontos de melhoria.
Com isso, através de uma Matriz de Risco e impacto os riscos que devem ser tratados com urgência, daqueles que possuem um baixo impacto e potencial lesivo, sendo tratado em um segundo momento, seja quantificando através da quantidade (probabilidade/frequência) quanto da qualidade (impacto/gravidade) através de medidas preventivas, detectivas e reativas
Importante destacar que em conjunto com as políticas corretivas e prevencionistas elencadas, o engajamento da alta administração com a disseminação da cultura do respeito, solidariedade e cooperação no trabalho são essenciais para a aceitação e firmamento das políticas de compliance, saindo da esfera do temor para a conscientização e sentimento de pertencimento dos colaboradores como engrenagem na criação de um ambiente de trabalho benéfico.
Como no caso do Brasil, que é regido por um sistema de “due processo of law”, com legislação analítica, interpretativa e regionalizada, graças as inúmeras portarias do Ministério da Economia, convenções coletivas das mais diversificadas classes, haja vista o conceito da Teoria do Conglobamento e a prevalência do convencionado sobre legislado, conforme trazido pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17), em alguns casos, o acordo coletivo, convenção coletiva, ou até mesmo o acordo escrito devem prevalecer sobre a legislação (art. 611-A e 620 da CLT).
Por isso, que é necessária a consciência, cobrança da postura e que as regras de compliance sejam aderidas do topo da hierarquia da empresa (tone from the top), afinal, como diria o velho ditado: “as palavras movem; os exemplos arrastam”.
Através das reflexões acima esposadas, conseguimos garantir, ou mitigar os ambientes de trabalho chamados tóxicos, reduzindo de forma expressiva os riscos financeiros, judiciais, reputacionais (não financeiros), que propiciem uma maior produtividade aos seus colaboradores e um maior resultado positivo no faturamento da empresa.
Não é à toa que as empresas que aliam a implementação de práticas de compliance com base nos conceitos de ESG (environmental, social and corporate governance), ou, em português, práticas ambientais, sociais e de governança, tem uma menor volatilidade no mercado de ações, entrega de resultados e maior tendência de crescimento.
Por Elcio Alvares Júnior,
Advogado Trabalhista da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados