Desdobramentos da discussão sobre o valor cobrado a título de licenciamento ambiental pela CETESB
Após a CETESB sagrar-se derrotada das discussões judiciais advindas da edição do Decreto nº 62.973/17 pelo Estado de São Paulo, que alterou a fórmula de cálculo para expedição de licenças ambientais, documentos, autorizações e pareceres técnicos a serem emitidos pela entidade, iniciou-se um novo debate depois do advento do Decreto nº 64.512/19.
Para rememorar o leitor, toda a discussão se iniciou a partir da busca pelo conceito de fonte de poluição introduzido pela Lei Estadual de São Paulo nº 997/76, na redação dada pela Lei Estadual de São Paulo nº 9.477/96, que era definida como qualquer atividade, sistema, processo, operação, maquinária, equipamento ou dispositivo, móvel ou não, previsto em Regulamento, que cause ou possa causar poluição ambiental através da emissão de poluentes.
Inicialmente, o Decreto nº 8.468/76, que regulamentou a Lei Estadual de São Paulo nº 997/76, previu em seu art. 4º que “são consideradas fontes de poluição todas as obras, atividades, instalações, empreendimentos, processos, dispositivos, móveis ou imóveis, ou meios de transportes que, direta ou indiretamente, causem ou possa causar poluição ao meio ambiente”.
A relevância em se definir o conceito de fonte de poluição decorre do fato de que o art. 5º, da Lei Estadual de São Paulo nº 997/76 prevê que o licenciamento ambiental será cobrado com base na fonte de poluição, sendo considerado tanto pelo Decreto nº 8.468/76, como posteriormente pelo Decreto nº 47.397/02, como área integral para efeitos de licenciamento.
Ocorre que os valores das licenças antes eram baseados em “preço de análise”, cujo valor era fixado em UFESP – Unidade Fiscal do Estado de São Paulo, ou no índice que o substituir, mantido o valor, em moeda corrente à época da substituição, conforme tipo, porte e complexidade do empreendimento submetido ao processo de licenciamento.
Com o advento do Decreto nº 62.973/17, houve a alteração da metodologia de cálculo, trazendo novo procedimento relativo ao cálculo dos preços do licenciamento ambiental, nova dinâmica do licenciamento ambiental, novos preços de expedição das licenças ambientais e preços dos serviços afins (preços para expedição de outros documentos), onerando, demasiadamente as empresas submetidas às referidas licenças.
Ainda, a entidade considerou no cálculo do preço do licenciamento a área total do imóvel poluidor, diversamente da área construída ou do terreno ocupado pelo empreendimento ou atividade poluidora, nos termos da legislação anterior.
Diante disso, as empresas se socorreram ao Judiciário, defendendo que o Decreto extrapolou os limites previstos no art. 5º, §1º, da Lei nº 997/76, aumentando consideravelmente e de forma desarrazoada o preço das licenças ambientais, o que foi acatado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[1].
Mesmo diante da ilegalidade constatada, o Governo do Estado de São Paulo editou o Decreto Estadual nº 64.512/19, que ao modificar o anterior Decreto nº 62.973/17, regulamentou a Lei nº 997/76, de forma a alterar as fórmulas de cálculo para expedição de licenças ambientais, definindo a área de fonte de poluição como sendo “a área construída do empreendimento e atividade ao ar livre”.
Com a alteração legislativa, a CETESB defende que o cálculo da licença deixou de ser área integral da fonte de poluição, considerada ilegal, passando a replicar o conteúdo da lei instituidora, qual seja, Lei nº 997/76.
Ocorre que foram mantidos os parâmetros que modificaram o aumento, de forma abusiva, desproporcional e irrazoável, dos preços das licenças, o que resultou em um aumento de mais do que 100% (cem por cento), considerando cálculo comparativo apresentado nas ações ajuizadas.
Como a questão voltou a ser debatida no Judiciário, com o aumento das demandas, o Grupo Especial de Câmaras de Direito Ambiental do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em Incidente de Assunção de Competência nº 1000068-70.2020.8.26.0053, julgado em 04/02/22, firmou o entendimento de que:
“O valor cobrado pela CETESB para o licenciamento ambiental possui natureza jurídica de preço público e a sua base de cálculo pode ser disciplinada por decreto. A definição da área integral constante do art. 73-C do DE nº 64.512/19 é válida e não extrapola a LE nº 997/76. Não cabe ao Poder Judiciário adentrar a discussão da fórmula do cálculo em si e, em especial, dos fatores de complexidade definidos pela CETESB, substituindo o critério de apuração do preço por outro ou invalidando os coeficientes e fatores indicados pela agência ambiental”.
A partir da análise da tese firmada, concluiu-se que por considerar que a cobrança possui natureza de preço público e não de taxa, restou reconhecida a validade do aumento impugnado.
Vale destacar que tanto os Juízes, como o próprio Tribunal, passaram a seguir o entendimento firmado pelo Grupo Especial na análise do caso concreto, de modo a afastar a pretensão das empresas que estão obrigadas a operar com a licença ambiental.
Entretanto, diante da via estreita do Incidente de Assunção de Competência, que visa a dirimir pequena quantidade de casos, o Ministério Público de São Paulo opôs Embargos de Declaração, defendendo entre outras matérias, a necessidade de alteração do entendimento antes firmado por intermédio de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, mais democrático.
A necessidade de ampla discussão da questão por meio do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas faz-se necessária, eis que, como ressaltado pelo órgão do Ministério Público, a “votação foi expressiva no ponto, terminando empatada (5 x 5), sendo formada a maioria pelo voto de desempate do Sr. Presidente”, trazendo trechos dos votos em sentido contrário à tese firmada.
Além disso, está pacificado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, que não são cabíveis Recurso Especial e Extraordinário suscitando violação de direito local, nos termos do enunciado da Súmula 280, do Supremo Tribunal Federal.
Desta forma, apesar da tese firmada em Incidente de Assunção de Competência, no sentido de que a alteração do cálculo das licenças pelo Decreto Estadual nº 64.512/19 é válida, refletindo em diversos outros julgados sobre a matéria, fato é que ainda há chances de a questão ser amplamente debatida em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, como já proposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
Inclusive, considerando que a matéria envolve direito local, o escritório Lopes e Castelo Advogados entende que se faz imprescindível a ampla discussão do tema, com os mecanismos garantidos no meio processual mencionado, que conta com ampla participação da sociedade, que pode contribuir com a juntada de documentos, participação em audiência pública, sem contar com a intervenção do Ministério Público, na condição de custos legis, para garantir a lisura do procedimento.
Por Diego Bulyovski Szoke
Advogado especialista na área tributária pela Lopes & Castelo Sociedade de Advogados
[1] Fonte: https://www.tjsp.jus.br/Download/SecaoDireitoPublico/Pdf/Cadip/EspCadipCamReservadasMeioAmbiente.pdf Acessado em 25/04/2022.