A Lei 8.078/1990 dispõe sobre a proteção e defesa do consumidor, sendo publicada em 12 de setembro de 1990, decorrente de comando estabelecido nos artigos 5º, XXXII e 170, inciso V, da Constituição Federal de 1988.
Nele foram positivados diversos princípios atinentes aos consumidores, em especial reconhecendo a sua vulnerabilidade e a hipossuficiência frente ao fornecedor, estabelecendo os princípios da informação, da transparência, coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, ações governamentais no sentido de proteger efetivamente o consumidor, dentre outros.
Ademais, no artigo 50, a legislação consumerista reconhece duas espécies de garantias: a legal e a contratual. A primeira garantia é aquela estabelecida pela própria Lei, no caso o Código de Defesa do Consumidor, prevendo que os vícios de fácil constatação caducam em 30 dias, tratando-se de serviços ou produtos não duráveis e; 90 dias, tratando-se de serviços ou produtos duráveis. Já a garantia contratual é aquela oferecida pelo fornecedor por mera liberalidade, como por exemplo quando uma montadora de veículos oferece garantia de 5 anos contra defeitos de fabricação, sendo verdadeira faculdade do fornecedor.
Ok. Agora que sabemos a diferença entre as garantias, a dúvida reside na seguinte questão: caso o produto ou serviço apresente algum vício ou defeito, QUAL GARANTIA DEVE PREVALECER?
É recorrente o fornecedor ou o fabricante informar que o produto perde a garantia após o prazo da garantia contratual. No exemplo dado, ao término do prazo de 5 anos dado pela montadora de automóveis, qualquer defeito no automóvel, após o lustro, não é assumido pela referida empresa, desprezando-se totalmente o prazo legal.
Nesse sentido, intensos debates surgiram sobre o tema, sendo a questão levada ao judiciário e decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que resolveu a questão somando a garantia contratual à garantia legal:
(…) 8. A regra extraída do art. 50 do CDC, a partir de uma interpretação teleológica e sistemática da lei consumerista, é a da não sobreposição das garantias legal e contratual. 9. A garantia contratual, enquanto ato de mera liberalidade do fornecedor, implica o reconhecimento de um prazo mínimo de vida útil do bem, de modo que, se o vício oculto se revela neste período, surge para o consumidor a faculdade de acioná-la, segundo os termos do contrato, sem que contra ele corra o prazo decadencial do art. 26 do CDC; ou de exercer seu direito à garantia legal, com base no art. 18, § 1º, do CDC, no prazo do art. 26 do CDC. 10. A garantia estabelecida pelo fabricante, porque se agrega ao produto como fator de valorização e, assim, interfere positivamente na tomada de decisão do consumidor pela compra, vincula também o comerciante, que dela se vale para favorecer a concretização da venda. (…) 15. A tolerância do consumidor, que crê e aguarda a solução do problema, mesmo depois de ultrapassado o prazo legal concedido ao fornecedor, para assim tentar preservar o negócio jurídico tal qual celebrado, não deve, em princípio, ser interpretada como renúncia ao seu direito de reclamar, inclusive porque, até que receba uma resposta inequívoca, não corre contra ele o respectivo prazo decadencial (art. 26, § 3º, do CDC).” RECURSO ESPECIAL Nº 1.734.541 – SE (2015/0150772-8) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI (grifamos).
Conforme é possível extrair do julgado acima, o Superior Tribunal de Justiça, partindo de uma interpretação teleológica e sistemática do Código de Defesa do Consumidor, concluiu que a garantia contratual implica o reconhecimento de um prazo de vida útil ao produto, obstando a fluência do prazo previsto na Lei consumerista, ou seja, o prazo de garantia legal previsto no Código de Defesa do Consumidor, só flui, após esgotado o prazo da garantia contratual.
Existem alguns poucos casos de fornecedores/fabricantes não oferecerem qualquer tipo de garantia, sendo entendimento nestes casos, de que caso os fornecedores não forneçam garantia contratual, prevalecerá na relação a garantia legal, variando entre 30 dias, quando o produto ou serviço não for durável, e 90 dias, quando o produto ou serviço for durável.
Noutro giro, é recorrente os fornecedores excluírem do âmbito da relação de consumo a garantia legal, orientando-se apenas pela garantia contratual, o que viola sobremaneira o entendimento que os Tribunais têm sobre o assunto.
Deste modo, é necessário sempre estar atento ao prazo de garantia oferecido pelo fornecedor (garantia contratual), bem como pelo prazo de reconhecido na Lei (garantia legal), pois, conforme melhor jurisprudência, a garantia contratual não exclui a garantia legal, apenas a complementa.
Por Fábio Boni
Advogado Cível da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados