Após um ano do início da pandemia, pouca coisa mudou no cenário jurídico e empresarial. Ainda que várias medidas tenham sido tomadas e publicadas quando se instaurou o estado de calamidade pública, fato é que, tais medidas não foram pensadas a longo prazo.
A partir de março de 2020, os entes federados publicaram atos e decretos que visavam a garantia de crédito e não cobrança e/ou suspensão de determinadas dívidas, visando amenizar o impacto da pandemia na vida das pessoas e das empresas.
Em junho de 2020, por exemplo, foi publicada a Lei nº 14.010, denominada Lei da Pandemia, pela qual, instituiu-se um Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado. No entanto, muitas das diretrizes contidas na lei já tiveram seus prazos esgotados, como por exemplo, a suspensão dos prazos decadencial e prescricional, bem como o impedimento de obtenção de liminar para despejo, que encerraram em outubro de 2020.
Em outros casos, foi necessário o ingresso de ações judiciais para impedir que o prejuízo fosse ainda maior, frente às obrigações contratuais assumidas e que não poderiam ser honradas, frente à queda do faturamento de muitas empresas.
No entanto, passado um ano e, considerando o ritmo lento da vacinação, não só no Brasil, mas em todo o mundo, especialistas preveem uma crise financeira e humanitária que pode equiparar-se à da Segunda Guerra Mundial.
Somado a isso, no Brasil, ainda enfrentamos uma crise política (se é que podemos chamar de crise, ou apenas de “política no Brasil”), que só aumenta a insegurança jurídica e causa temor para novos investimentos e contratações.
Diante da falta de perspectiva para melhoras e com a nova onda de casos de Covid-19, agora com novas variantes, não há como trabalharmos de forma otimista, sem imaginar que o pior ainda está por vir.
Assim, a boa administração dessa situação será o ponto chave para gestores e empresários sobreviverem ao novo mundo.
Mais do que nunca, a gestão jurídica preventiva passou a ser ponto de suma importância para o enfrentamento da crise, que pode incluir, dentre outras coisas, a revisão de contratos ativos, visando evitar ou mitigar multas e juros; controle de passivo, acompanhamento e ingresso de medidas para recuperação de dívidas, dentre outras práticas.
Não se pode olvidar que, nem tudo será possível resolver posteriormente, com ação judicial, visto que, conforme já experimentado até aqui, houve divergência entre os juízes do que poderia ser enquadrado no “motivo de força maior” ou “caso fortuito” e, cada qual, delimitou a aplicação desses termos, caso a caso e, alguns, inclusive, exigiram a comprovação contábil de que a pandemia afetou as atividades da empresa.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, já vinha se posicionando e delimitando os requisitos necessários para a aplicação da excludente de responsabilidade, disposto no art. 393 do Código Civil, que trata do “motivo de força maior” e do “caso fortuito”.
Pelo entendimento exarado pela Corte Superior, para aplicação do dispositivo legal é necessário que a situação que leve ao descumprimento do encargo (i) torne a obrigação impossível de se cumprir; (ii) seja inevitável e; (iii) que não decorra da atividade empresarial desenvolvida, caracterizada como fortuito interno (Resp 1450434/SP).
Assim, a crise econômica, por si só, não poderá ser aceita como argumento para o descumprimento de obrigações, visto que, no entendimento do STJ, estaria dentro dos riscos do desenvolvimento da atividade empresarial, considerado como risco interno (Resp 1341605/PR), nas palavras do Exmo. Ministro Luis Felipe Salomão, citando Bruno Miragem, (…) Em se tratando de responsabilidade objetiva (fundada no risco), a”força maior”, apta a afastar a responsabilidade do devedor, deverá consubstanciar impossibilidade genérica reconhecida em relação a qualquer pessoa. Nessa perspectiva, distingue-se o caso fortuito interno – que, por envolver risco inerente à atividade desempenhada, não poderá ser invocado como excludente da responsabilidade objetiva- do caso fortuito externo (ou força maior), “em que o dano decorre de causa completamente estranha à conduta do agente, e por isso causa de exoneração de responsabilidade” (Miragem, Bruno. Direito civil: direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 530-532)”.
Desta forma, é preciso que o descumprimento da obrigação esteja acompanhado de conjunto fático-comprobatório que demonstre que decorreu não apenas por mera crise financeira, mas que a crise instaurou-se em função da pandemia, demonstrando, assim, o nexo causal entre o estado de calamidade pública e os motivos que levaram determinada pessoa ou empresa à insolvência.
Não fosse assim, o caos poderia ser instaurado nas relações privadas, visto que, qualquer um poderia requerer a aplicação do fenômeno do “caso fortuito” ou de “força maior”, gerando uma inadimplência generalizada nas relações jurídicas, o que agravaria demasiadamente a crise já vivida.
Não é demais lembrar que, as ações distribuídas hoje, com pedidos que envolvam a pandemia, poderão se arrastar por anos e, muitas, somente trarão segurança jurídica, com o trânsito em julgado, daqui uns 5 (cinco) anos ou mais.
Diante desse cenário, é importante que as empresas avaliem suas condições como credoras e/ou como devedoras e tenham em mente que, antes de qualquer decisão, que primem por uma análise abrangente, de forma a cogitar a possibilidade de um acordo e, somente em último caso, a judicialização de suas contendas, por ser medida mais onerosa, demorada e que, a curto prazo, traz pouca ou quase nenhuma efetividade.