O desenvolvimento tecnológico do mercado empresarial trouxe consigo diversas funcionalidades para auxiliar as atividades cotidianas das empresas. Sistemas que possibilitam a automatização da produção, o monitoramento de inventário interno, ou o desenvolvimento de novos negócios tornaram-se comuns e amplamente disseminados pelo mercado.
Tais inovações também trouxeram consigo novas responsabilidades. A propriedade intelectual dos softwares impede que essas ferramentas sejam usadas sem as licenças apropriadas, devendo a empresa adquirir tais permissões de uso de forma legítima e apropriada, resguardando não só os interesses da organização, mas também a conformidade do negócio.
Implicações
Nessa mesma seara, esse desenvolvimento também trouxe novas formas de litígio, de modo que, atualmente, não é incomum nos depararmos com ações judiciais visando a condenação de um agente que, supostamente, fez uso indevido de determinado software, havendo a visitação por peritos judiciais para confirmar tal fato.
Conforme precedente definido pelo Superior Tribunal de Justiça [1], o Judiciário tem compreendido que, em casos de contrafação, ou seja, de reprodução de uma obra protegida por direitos autorais (como os softwares) sem a autorização de seu proprietário, o valor da indenização pode chegar a até dez vezes o valor de cada produto contrafeito.
Apesar dos valores exorbitantes, aplicados com o objetivo de inibir condutas semelhantes, uma pesquisa conduzida em 2017 e publicada em 2018 pela Business Software Alliance (BSA), entidade representativa de várias das maiores empresas de softwares do mundo, demonstrou que somente no Brasil 46% dos softwares eram utilizados de forma ilícita [2], sem as licenças necessárias.
Embora não haja nenhuma pesquisa mais recente sobre o tema, seria possível presumir que os números atuais não estão tão distantes, considerando a cada vez maior necessidade de automação do mercado empresarial.
Tal fato é ainda mais preocupante considerando que, conforme determina o Código Civil em seu artigo 932, inciso III, a organização pode ser responsabilizada pela conduta ilícita cometida por seus colaboradores, cabendo a ela o dever de indenizar a proprietária do software pelo uso indevido da ferramenta por parte dos funcionários, ainda que sem qualquer anuência ou autorização da empresa.
Intimidação e mancha na reputação
Contudo, há de se considerar o assédio e a intimidação indevida cometida por essas entidades proprietárias de softwares.
Com uma simples consulta jurisprudencial, é possível encontrar inúmeros processos sobre “produção antecipada de provas”, nos quais essas entidades propõem ações judiciais com valores extremamente diminutos, visando “comprovar as suspeitas” de que o réu utiliza seus sistemas indevidamente, sem as licenças necessárias. Somente no Tribunal de Justiça de São Paulo, os acórdãos sobre esse tema somam 52.090 casos [3].
A forma de atuação dessas entidades — que beira a má-fé — é engenhosa, com a finalidade de instrumentalizar o Judiciário para produzir provas que são de obrigação das partes proprietárias, minimizando custas de proposição da ação.
Neste contexto, temos também o chamado “dano reputacional”, uma vez que a simples propositura de ações judiciais contra determinada empresa alegando-se uso indevido de softwares — sendo a ação cabível ou não — é o bastante manchar o nome da empresa no mercado, ocasionando em eventual perda de negócios e parcerias, no qual os terceiros não querem vínculo com a parte processada.
Considerações finais
Assim, em conclusão, temos que todos os softwares utilizados pela organização, por óbvio, devem ser adquiridos de forma lícita, sendo necessário, inclusive, que a adquirente armazene internamente todos os comprovantes, contratos ou quaisquer outros instrumentos comprobatórios para munir-se de provas contra alegações indevidas do uso de softwares.
Bem como, é necessário que a empresa proceda com atividades fiscalizatórias e conscientizadoras internamente, visando identificar eventual uso indevido por parte dos colaboradores, e lhes orientar — de forma a manter-se o registro da orientação — sobre a ilegalidade da atividade, para que não seja realizada.
Por fim, ao ser indagado por entidade proprietária de software, é necessário que a empresa conte com um corpo jurídico capaz de sanar a demanda, visando assim sua preparação e o impedimento de eventual conduta de má-fé por parte destas entidades.