A Justiça do Trabalho tem avançado de forma significativa quanto aos aspectos de gênero, em respeito ao protocolo para julgamento de “Perspectiva de Gênero” no Poder Judiciário, tratando-se de orientação prevista na agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, com objetivos para o desenvolvimento sustentável.
Referido protocolo trata-se de manual contendo passo a passo, para que, nos julgamentos em que as mulheres figuram como parte, não ocorram decisões de caráter preconceituosos ou até mesmo a repetição de estereótipos, atribuindo às mulheres características específicas, baseadas em construções sociais aos gêneros.
O protocolo permite detectar se a decisão judicial carrega a discriminação de gênero, ainda que inconsciente, a partir destes estereótipos. Quem já não ouviu a expressão “isso é coisa de mulher”, ou ainda “são muito emotivas, choram por tudo”.
Até que ponto esses estereótipos podem influenciar uma decisão judicial quando a mulher busca uma reparação moral por exemplo, ou até mesmo diante de suas escolhas em relação à aparência e forma como se apresenta perante a sociedade?
Diante disso, o Conselho Nacional de Justiça, por intermédio da Resolução 492, de 17 de março de 2023, estabeleceu diretrizes para a adoção de “Perspectiva de Gênero” nos julgamentos em todo o poder judiciário e instituiu a “obrigatoriedade de capacitação de magistrados e magistradas, relacionada aos direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional, e cria o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário e o Comitê de Incentivo Institucional Feminina no Poder Judiciário”.
Discussões sobre questões de gênero no Poder Judiciário têm avançado e dizem respeito a um momento de conscientização da importância deste debate social ante às violências que as mulheres sofrem, inclusive no ambiente de trabalho.
Para tanto, necessário neutralizar as situações assimétricas de poder e de desigualdade, inclusive no exame dos fatos e provas no curso de um processo judicial ou administrativo. Necessário lançar luz sobre questões que merecem especial atenção e acabam por fomentar atos de discriminação.
O julgamento com perspectiva de gênero não se trata de uma inovação, significa o cumprimento de uma obrigação jurídica constitucional de concretização do princípio da igualdade, garantindo acesso à Justiça e rechaçando situações estruturais de desigualdade, por intermédio de um “protocolo”, que pode ser considerado como um verdadeiro guia para a Magistratura Estadual, Federal e Militar.
Parte do princípio de que o julgador deve ter a equidistância em relação às partes, ou seja, neutralidade e imparcialidade para a justa entrega da prestação jurisdicional e para que não haja reprodução de estereótipos, preconceitos, desigualdade de gênero e violências institucionais contra as mulheres, que não são minoria sob o ponto de vista quantitativo, mas em relação à representatividade na sociedade, discriminada nas relações de trabalho.
Isso porque, inevitavelmente, as decisões judiciais sofrem ainda que de maneira involuntária, a influência de uma sociedade patriarcal, que acaba por desconsiderar as diferenças de gênero, raça e classe social.
E um julgamento imparcial, pressupõe uma postura de desconstrução destes estereótipos e preconceitos, levando em consideração as desigualdades históricas entre mulheres e homens, raça, classe, de forma a eliminar as discriminações que se perpetuam também nas decisões judiciais proferidas sem esta perspectiva.
Há que ser considerado o fato de que as experiências pessoais dos julgadores refletem o grupo social ao qual pertencem, impedindo que haja um olhar para problemas concretos que lhe são submetidos.
O “protocolo” impõe que o princípio da igualdade seja aplicado como ferramenta analítica e interpretativa do direito postulado, identificando as desigualdades estruturais na busca incansável por resultado mais igualitário sob o ponto de vista social.
Em julgamento proferido pela 4ª Vara do Trabalho de Brasília, a Juíza do Trabalho, adotou o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero para condenar uma empresa a indenizar uma trabalhadora por danos morais, em razão de proibição que sofria de usar batom, vendo-se obrigada a cobrir as tatuagens durante a jornada de trabalho, sob pena de demissão.
A magistrada na decisão proferida relembrou “que fatores histórico/culturais enraizados na nossa sociedade patriarcal perpetuam a discriminação contra a mulher, com a adoção do estereótipo misógino como consta na peça contestatória e transcrita nesta sentença”.
Por Elizabeth Greco
Advogada especialista nas relações do trabalho pela Lopes & Castelo Sociedade de Advogados