Como se sabe, a compensação é matéria de tratamento estrito em lei, de acordo com o
artigo 170 do Código Tributário Nacional. Nos termos do referido dispositivo legal, a lei deve estabelecer todas as condições em que a compensação é admissível e a Administração Fazendária tem autorização para estipular os procedimentos para tanto.
Assim, em tese e conforme entendimento do Fisco Federal, não pode a compensação tributária ocorrer com débitos de quaisquer tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, por força de vedação expressa constante da Instrução Normativa RFB n.º 1717/2017, cumulada com os arts. 66 da Lei nº 8.383/91 e 89 da Lei nº 8.212/1991 e, ainda, art. 26-A, da Lei n.º 11.457/2007.
Com efeito, a compensação tributária unificada, nos termos da Lei n.º 13.670/2018, isto é, envolvendo créditos previdenciários e fazendários, seria aplicável somente às ações propostas sob sua vigência, relativamente às pessoas jurídicas que utilizarem o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) para a apuração das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da Lei n.º 11.457/2007.
Pois bem, até o advento da Lei n.º 13.670/2018, não havia previsão legal para a compensação entre créditos previdenciários e tributos de outra espécie administrados
pela Receita Federal.
A Lei n.º 13.670/2018, contudo, passou a permitir a compensação cruzada entre contribuições previdenciárias e tributos de outras espécies, desde que o contribuinte utilize o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas – eSocial.
O calendário de implantação do eSocial começou em 2018 e, paulatinamente, as empresas deixaram de entregar a Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Seguridade Social – GFIP e passaram a utilizar a nova escrituração para a constituição dos débitos previdenciários, ato que permitirá a compensação cruzada.
Ocorre que, segundo os contribuintes, especialmente dos argumentos veiculados pela parte no processo em questão, ao impor limitação temporal às compensações com base no início de apuração pelo eSocial, a Lei nº 13.670/2018 feriu a isonomia no tratamento dos créditos entre os contribuintes dos grupos do eSocial, e mesmo que se alegue que estão em diferentes grupos de empresas, esses contribuintes estão sujeitos aos mesmos prazos e multas por compensação indevida.
O contribuinte alega, ainda, que o próprio sistema do eSocial apresentou diversas falhas que impediram muitos contribuintes de migrarem para o sistema. Como resultado disso, diversas empresas atrasaram para se adequar ao eSocial e perderam a oportunidade de gozar dos benefícios da compensação cruzada.
Diante desses robustos argumentos deduzidos, o MM. Juízo Federal acolheu o pedido liminar formulado no mandado de segurança, afirmando ser “plausível a alegação da parte impetrante, considerando que o reconhecimento de créditos ocorrido com o trânsito em julgado de decisões judiciais após a implantação do e-Social não se sujeita à limitação aparentemente imposta pela Lei.”.
Segundo a Magistrada responsável pelo caso, não obstante eventuais recolhimentos indevidos possam ter sido efetivados antes do advento da Lei nº 13.670/2018, somente há o reconhecimento do direito ao crédito – créditos incontroversos e, portanto, líquidos e certos – com a decisão judicial definitiva, após o que seria possível a compensação, nos termos do artigo 170-A do CTN.
Por fim, na decisão liminar ficou assentado que “o reforço argumentativo no sentido de que o Fisco tributa os juros decorrentes de tais créditos como receitas financeiras, por entender que se trata de receita nova, de igual modo, é plausível para amparar a pretensão posta, uma vez que não pode o Fisco incidir em tal contrariedade e entender que se trata de crédito novo para tributar e não o admitir como crédito novo para compensar.”.
Assim, o pedido liminar foi deferido para afastar a restrição imposta pelo artigo 26-A da Lei nº 11.457/2007, bem como determinar às Autoridades Coatoras que se abstenham de praticar quaisquer atos punitivos contra a empresa impetrante, como negar expedição de certidão de regularidade fiscal/previdenciária, impor autuações em decorrência de obrigações acessórias, ou lançamentos fiscais em razão da compensação das referidas contribuições.
Por fim, importante ressaltar que se trata de pronunciamento judicial de extrema relevância, que pode vir a ser aprofundado pelas instâncias superiores e traçar novos paradigmas para a questão posta em debate, ressalvando o fato de ser apenas uma decisão liminar que poderá ser revertida pelo TRF3 oportunamente.
Por Thiago Sanchez Thomaz
Advogado tributarista da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados