O uso da tecnologia é uma realidade em quase todas – se não todas – as esferas das nossas vidas e com uma sociedade altamente conectada foram surgindo legislações para regular as situações que evolvem o mundo digital. Dentre as que mais se destacam temos a Lei n.º 12.965/2014[1], mais conhecida como o Marco Civil da Internet (MCI) e, a Lei n.º Lei n.º 13.709/2018[2], chamada de Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD.
Com isso, naturalmente é esperado que as questões levadas ao Poder Judiciário cada vez mais envolvam temas relacionados ao ambiente digital e, consequentemente, as decisões judiciais tragam com maior incidência conteúdos que abordem a privacidade, a proteção de dados, as relações de consumo online, as novas formas de contratações e novas ferramentas do ambiente digital, o uso da imagem em plataformas digitais, publicação de conteúdos e outros.
Nessa linha, em sua terceira edição, o levantamento do Painel LGPD, organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa e Jusbrasil, com o apoio do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento – PNUD[3], divulgaram no final do ano de 2023, pesquisa que demonstrou como a LGPD vem de forma crescente sendo utilizada nas decisões dos tribunais do Brasil.
Segundo a pesquisa, a qual estima-se ter sua divulgação completa ainda no primeiro trimestre deste ano, observou-se uma crescente exponencial, especialmente ao analisar o número de decisões nos anos de 2022 e 2023, que passaram de 665 para 1.206. Ainda em 2021, o número identificado era de somente 274 decisões[4].
Ainda, restou evidenciado que existem três outras áreas que estão atreladas ao Direito Digital e se relacionam a essas decisões, a saber: Direito do Consumidor, Direito do Trabalho e Direito Civil. Alguns temas ganharam relevância, como as indenizações em razão de incidentes de segurança, fraudes que envolvem o setor financeiro, uso de aplicativos e suas funcionalidades à luz da privacidade dos usuários.
Nesse contexto, podemos observar recentes decisões dos Tribunais que envolvem à LGPD:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. […] A instituição financeira ré permitiu que alguém, por acesso ao sistema e violação de dados, tivesse conhecimento da existência do contrato de financiamento do autor, podendo, assim, o fraudador lograr êxito em emitir o boleto. Dessa maneira, verificou-se a ocorrência de fortuito interno.[5] (grifo nosso)
[…] GOLPE DO BOLETO. TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS SIGILOSOS DE MANEIRA INADEQUADA. […] 7. O tratamento indevido de dados pessoais bancários configura defeito na prestação de serviço, notadamente quando tais informações são utilizadas por estelionatário para facilitar a aplicação de golpe em desfavor do consumidor. […][6] (grifo nosso)
Evidentemente, aos que dizem que a LGPD “não pegou”, a pesquisa apresentada e decisões colacionadas contradizem fortemente tal alegação, demonstrando uma crescente nas questões levadas ao Judiciário e que envolvem a LGPD, ainda que em muitos casos o direito digital converse com as demais áreas do direito, sua incidência crescente é notória.
Mas e as outras decisões que envolvem o Direito Digital para além da Lei Geral de Proteção de Dados? O Direito Digital é muito amplo e claramente a tendência de questões que envolvem o mundo digital é aumentar frente à utilização da tecnologia no cotidiano.
Nessa toada, nem sempre um tema que envolva o direito digital necessariamente envolverá a LGPD, como é o caso de remoção de conteúdos da internet, responsabilização dos provedores de conteúdo, discussão de termos e condições de uso utilizados em plataformas e aplicativos digitais, entre outros temas que se fundamentam no Marco Civil da Internet. Para tanto, podemos observar a seguir algumas decisões recentes do Judiciário que envolvem o MCI, a saber:
[…] Perfil falso no Instagram com imagens da autora e divulgação da venda de conteúdo adulto. Inércia da requerida após pedido para a retirada do conteúdo. Falsidade do perfil com conteúdo sexual que autorizava a remoção após denúncia da usuária, mesmo sem ordem judicial. Responsabilidade prevista no art. 21 do Marco Civil da Internet. Demora que resultou em ampliação dos efeitos negativos. Dano moral configurado. […][7] (grifo nosso)
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INVASÃO DE CONTA DO INSTAGRAM POR TERCEIROS. […] Prejuízo à imagem da requerente perante amigos, conhecidos e familiares. Situação que extrapolou o mero aborrecimento cotidiano, provocando grave abalo e angústia íntima. Danos morais devidos, quantum fixado em patamar adequado ao caso. […][8] (grifo nosso)
É notório que os Tribunais vêm aplicando cada dia mais decisões fundamentadas em legislações que envolvem o âmbito digital, ao passo que as empresas cada dia mais utilizam dados pessoais e as pessoas estão mais conectadas no digital, tornando-se usuários das plataformas digitais. Para tanto, estima-se que todos – usuários, empresas e plataformas de conteúdo estejam em conformidade com as legislações para o uso adequado da internet, que, afinal, possui regras de navegação.
Assim, em conclusão, frente à pesquisa e recentes decisões que foram colacionadas, é notável a relevância do Direito Digital como um todo, especialmente no que se refere ao MCI e à LGPD. Diante dessas tendências em crescimento constante, é primordial que as empresas estejam bem amparadas juridicamente para que possam prevenir processos envolvendo o uso de tecnologia, privacidade e proteção de dados.
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm
[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
[3] https://www.undp.org/pt/brazil/news/presenca-da-lgpd-com-relevancia-nas-decisoes-judiciais-quase-dobraram-no-brasil-em-um-ano
[4] https://painel.jusbrasil.com.br/
[5] (TJ-SP – Embargos de Declaração Cível: 1002761-72.2021.8.26.0156 Cruzeiro, Relator: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 25/03/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/03/2024)
[6](STJ – REsp: 2077278 SP 2023/0190979-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/10/2023, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2023)
[7] (TJ-SP – Recurso Inominado Cível: 1001042-49.2023.8.26.0297 Jales, Relator: Arnaldo Luiz Zasso Valderrama, Data de Julgamento: 25/01/2024, 3ª Turma Cível e Criminal, Data de Publicação: 25/01/2024)
[8](TJ-SP – AC: 10139897720228260554 Santo André, Relator: Mary Grün, Data de Julgamento: 26/05/2023, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/05/2023)
Laura Nanini Batista
Advogada de Direito Digital