Conforme noticiado na grande mídia, a Receita Federal do Brasil vem autuando Contribuintes utilizando-se de uma nova estratégia para reduzir o impacto ocasionado pelo tema 69 que trata sobre a Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS, exigindo que os contribuintes utilizem o mesmo critério de cálculo na contabilização dos créditos decorrentes da aquisição de insumos, relativos os últimos 5 anos.
Em tese, essa nova investida da Receita Federal reduz substancialmente o direito conquistado pelos Contribuintes na chamada “tese do século” que teve seu desfecho em maio/2021 com o julgamento dos embargos de declaração opostos pela União.
Ocorre que, por meio do artigo 167 da IN nº 1.911/2019, busca reaver parte do que foi perdido naquela ação, autuando alguns Contribuintes, optantes pelo Lucro Real, logo, com apuração não cumulativa para o PIS e COFINS, pela não exclusão do ICMS em suas operações de entradas.
Primeiramente, é de fundamental importância mencionar que, o PIS e a COFINS não cumulativos foram instituídos pela Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03 de modo que estes dois tributos eram incidentes sobre o faturamento mensal das empresas, ou seja, a totalidade das receitas auferidas pelos Contribuintes.
As leis de regência foram posteriormente alteradas pela Lei nº 12.973/2014 a fim de modificar a base de cálculo dessas contribuições, havendo de forma explícita, alargamento da base de cálculo do PIS e da COFINS, com flagrante violação ao artigo 195, I da CF, ao artigo 110 do CTN e ao artigo 12 da Lei nº 1.598/1977.
Não obstante a isso, antes mesmo da publicação da IN 1.911, a Receita Federal do Brasil, em 18 de outubro de 2018 editou a Solução de Consulta COSIT nº 13, afirmando que o entendimento esposado pelo STF no Recurso Extraordinário nº 574.706 havia se dado no sentido contrário às pretensões do Contribuinte, ou seja, que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS era o ICMS recolhido e não o ICMS destacado.
O centro de toda a discussão, está no ICMS como custo de aquisição, contido no artigo 8º da IN nº 404/2004 e excluído por mera liberalidade do Fisco no artigo 167 da IN nº 1.911/2019 e, indiscutivelmente, majorando, de forma expressiva a tributação para o PIS e COFINS.
É patente que a sistemática instituída pela IN nº 1.911/2019 afeta drasticamente a base de cálculo do PIS e da COFINS, com inequívoca inobservância ao princípio da legalidade, uma vez que, as leis de regência sofreram grande impacto, situação que seria conferida apenas por meio de nova lei e não por mera instrução normativa.
Insta salientar que, a argumentação da Receita Federal do Brasil, em tese, encontra respaldo no enunciado do artigo 167 da mencionada instrução normativa, pois não permite que o ICMS seja incluído no montante dos créditos de PIS e COFINS incidentes sobre os insumos adquiridos no regime não-cumulativo, não podendo dessa forma o ICMS ser considerado como custo de aquisição passível de creditamento.
Ademais, é fundamental externar que, as Leis nº 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, que instituíram a não-cumulatividade para o PIS e para a COFINS, respectivamente, elencaram, de forma clara e objetiva em seu artigo 3º as situações em que o contribuinte poderá, do valor das contribuições devidas, descontar créditos apurados em relação a custos, despesas e encargos.
Por mais que a forma de apuração seja não-cumulativa, tanto na determinação do IPI e do ICMS como também no caso do PIS e da COFINS, as formas utilizadas na obtenção dos resultados de um ou outro tributo são distintas.
No caso do PIS e da COFINS por exemplo, suas bases obedecem a critérios legais, em que não se confronta imposto contra imposto, mas sim receita contra receita, há quem diga inclusive que o PIS e COFINS não é um crédito fiscal, mas sim contábil, não sendo possível manter correlação exata com a base de débitos a compor faturamento para fins de cálculo destas contribuições.
E é justamente essa metodologia que possibilita aos Contribuinte se apropriarem de créditos em percentual de 9,25%, mesmo que seu fornecedor de insumos ou prestador de serviços, tenha recolhido, PIS e COFINS a uma alíquota 3,65%.
Com base nesse entendimento, a Instrução Normativa nº 404/2004 descrevia de forma inequívoca a forma de apuração das bases de cálculo dos créditos de PIS e COFINS, de modo que, que o ICMS integra o valor do custo de aquisição de bens e serviços (inciso II, §3º, artigo 8º).
Tal direito está contido de forma cristalina na legislação aplicável à matéria, a Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002 (PIS) e Lei nº 10.833 de 29 de dezembro de 2003 (COFINS), de modo que, nos artigos 3°, incisos I e II, autorizam expressamente a apropriação de créditos calculados em relação a bens e serviços utilizados como insumos na fabricação de produtos destinados à venda.
No tocante ao entendimento do Supremo Tribunal Federal pela exclusão do ICMS destacado da base de cálculo do PIS e da COFINS, este por sua vez não possui força para modificar a base de cálculo dos créditos, uma vez que decorrem de interpretação estrita e inequívoca do princípio da não-cumulatividade e do custo de aquisição.
Nesta ceara, é patente reconhecer que o ICMS está integrado e indissociável ao custo de aquisição e não guarda qualquer relação com o conceito de faturamento, deixando anda mais fraca as argumentações trazidas pela Receita Federal, até mesmo porque, tal tema nunca foi defendido sob o argumento da inclusão do ICMS no levantamento do custo de aquisição para fins de apuração de crédito.
Dessa forma, é certo que não há, em tese, se pensar na exclusão do ICMS do conceito de custo de aquisição da mercadoria para fins de creditamento do PIS e da COFINS, uma vez que tais critérios de creditamento, são ditados por lei observando o custo de aquisição da mercadoria na entrada e o faturamento na saída.
Sobre todo esse arcabouço de normas, sejam elas leis ou não, é certo que as instruções normativas são vinculantes aos auditores da Receita Federal do Brasil, e tem o poder apenas de regulamentar a legislação, mas não de restringir, limitar ou ampliar a sua aplicação o que, infelizmente, poderá acarretar a judicialização deste tema, uma vez que, diante do que foi exposto, estamos diante de flagrante violação ao princípio da legalidade.
Posto isto, por mais que não esteja expresso na Instrução Normativa nº 1911/2019, o ICMS faz parte do preço da mercadoria, não possui, pelo menos até o momento, o mesmo tratamento dado à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS no RE 574.706, isto porque, o recurso tratou apenas dos débitos, não havendo estabelecido novas regras para o crédito, até porque, tal situação não fazia parte do objeto da ação.
Não há como se manter uma relação direta do RE 574.706 com as pretensões da Receita Federal do Brasil em consonância com o artigo 167 da IN nº 1911/2019, pois independente do que acontecer, a Receita Federal do Brasil não possui meios de exigir que o ICMS no custo de aquisição seja excluído de todo o crédito tributário apurado, mas tão somente, em tese, de 11 de outubro de 2019 em diante ou, em uma interpretação extremamente extensiva, porém ilegal, nos últimos 5 anos.
O acórdão do julgamento dos embargos do RE 574.706 foi publicado em 12 de agosto de 2021 e pelo seu texto, o STF retirou o ICMS da base do PIS e COFINS pagos pelo Contribuinte, ou seja, sem qualquer alteração no cálculo dos créditos nas entradas, o que enfraquece ainda mais as pretensões da Receita Federal do Brasil em aplicar, em sede administrativa, o artigo 167 da IN nº 1911/2019.
Por fim, entendemos que as novas pretensões da Receita Federal do Brasil em reduzir o impacto econômico não guardam relação com a tese de Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, uma vez que, discute-se a partir daqui uma nova sistemática, qual seja, a composição do ICMS como custo de aquisição ou não de mercadorias e serviços.
Por Luis Alexandre Oliveira Castelo
Sócio e Diretor Executivo da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados