No cotidiano das empresas, é comum que a judicialização de disputas seja percebida como algo natural ou até inevitável. No entanto, é preciso reconhecer que, na maioria dos casos, o litígio judicial não decorre apenas da existência do conflito em si, mas sim da ausência de mecanismos eficazes de prevenção e controle jurídico interno.
Empresas com governança jurídica consolidada tendem a se expor menos a litígios. Já aquelas que acumulam ações cíveis repetitivas, disputas com fornecedores, clientes ou até sócios, geralmente apresentam fragilidades estruturais, tais como:
• Contratos incompletos ou não formalizados;
• Decisões negociais sem registro documental;
• Comunicações relevantes não arquivadas adequadamente;
• Ausência de procedimentos internos para lidar com inadimplementos, notificações ou tratativas iniciais de crise.
Esse conjunto de deficiências compromete diretamente a capacidade de resposta da empresa e aumenta seu risco processual. Como consequência, observam-se reflexos financeiros, reputacionais e operacionais bastante concretos:
• Provisões contábeis elevadas, em razão da necessidade de reconhecer potenciais perdas judiciais, com impacto direto sobre balanços e indicadores financeiros;
• Bloqueios judiciais de valores ou bens essenciais à atividade, inclusive de terceiros, por ausência de defesa oportuna ou prova documental mínima;
• Risco reputacional, com prejuízo na relação com investidores, parceiros comerciais e instituições financeiras;
• E, não comumente, a perda de oportunidades negociais, motivada por histórico de ações em andamento ou execuções públicas.
O litígio, nesse contexto, não é uma causa, mas um efeito visível da falta de governança jurídica. Por isso, é fundamental que o jurídico empresarial deixe de ser um setor meramente reativo, acionado apenas quando o problema se instala, e assume um papel proativo e transversal, participando da gestão com foco na prevenção de riscos legais e construção de um ambiente de segurança jurídica.
Evitar a judicialização de conflitos não significa abrir mão de direitos ou evitar o Judiciário a qualquer custo. Significa, sim, adotar uma postura técnica e preventiva, que permita à empresa antecipar situações potencialmente litigiosas e tratá-las com inteligência jurídica antes que se agravem.
Uma das estratégias mais efetivas nesse sentido é a criação de núcleos de pré-contencioso, internos ou assessorados por escritório de advocacia externo, voltados à análise e gestão jurídica das situações de conflito iminente, antes do ajuizamento da demanda.
Esses núcleos atuam em três frentes principais:
• Monitoramento de notificações extrajudiciais, comunicações comerciais e manifestações de insatisfação recebidas por fornecedores, clientes, parceiros ou mesmo por sócios;
• Tratamento técnico de cobranças ou inadimplementos, com resposta jurídica adequada, envio de contranotificações ou início de negociações documentadas;
• Intermediação qualificada de tratativas com a parte adversa, buscando soluções viáveis, seguras e economicamente sustentáveis.
A atuação pré-contenciosa bem estruturada permite:
• A preservação e organização de provas, com coleta tempestiva de documentos, registros e comunicações úteis à eventual defesa futura;
• A uniformização do posicionamento da empresa diante de situações semelhantes, evitando decisões contraditórias entre setores ou áreas;
• E, principalmente, a possibilidade real de resolução célere e eficaz do conflito, com economia de tempo, recursos e desgaste institucional.
Com informações bem organizadas, contratos localizáveis e provas preservadas, a empresa entra numa eventual disputa em posição de vantagem e com menor risco financeiro.
Outro ganho importante dessa atuação preventiva é a uniformização das respostas. Muitas empresas perdem ações judiciais por simples falta de alinhamento interno: o setor comercial promete uma coisa, o administrativo registra outra, o financeiro cobra de forma inadequada, e o jurídico só é chamado quando a crise já está formada.
Com o pré-contencioso estruturado, o jurídico se torna um elo estratégico da gestão. Além de mitigar riscos jurídicos, a existência de uma política ativa de pré-contencioso transmite ao mercado a mensagem de que a empresa está juridicamente preparada, age com boa-fé e busca soluções fundamentadas, o que fortalece sua posição em negociações e reforça sua credibilidade institucional.
Governança jurídica não é apenas conformidade documental, é estratégia preventiva, proteção patrimonial e gestão inteligente de conflitos.
Ao tratar o contencioso com visão técnica e integrada, a empresa se antecipa ao problema, protege sua reputação e preserva seus ativos mais valiosos: tempo, credibilidade e solidez.

Por Priscila Farias Cherubini
Advogada Cível pela Lopes & Castelo Sociedade de Advogados