Muito se fala sobre a reforma tributária, em razão das alterações produzidas pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e, posteriormente, pela Lei Complementar n.º 214/25, mas poucos lembram do acervo deixado durante a vigência do regime jurídico anterior.
Segundo levantamento realizado pelo grupo de trabalho do Superior Tribunal de Justiça, conforme matéria veiculada pelo Jota[1], a perspectiva é de um aumento das ações judiciais com a reforma.
Ora, tal fato, se confirmado, ocasiona justamente o contrário do que se espera da reforma, isto é, a simplificação do regime e, por conseguinte, a diminuição dos litígios instaurados na seara tributária.
Se a reforma, antes mesmo de sua vigência já se torna um problema, em relação ao contencioso judicial, o acúmulo de processos, inclusive os de cobrança via Execução Fiscal, é um problema enfrentado pelo Estado, que tenta a qualquer custo reduzir o acervo de processos.
Dentre as medidas, pode-se citar a extinção de execuções pelo Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos, que buscam alternativas de cobrança extrajudicial da dívida, considerando o baixo valor do débito ou a inexistência de patrimônio, com base em ferramentas à disposição do Fisco, por exemplo.
Outra, o que causa grande preocupação, é a persecução criminal quando mesmo cumprindo a obrigação acessória, de declaração do tributo, o contribuinte, por dificuldades financeiras, deixa de efetuar o seu recolhimento, como é o caso do ICMS.
Vale destacar que o Ministério Público entende que a conduta se enquadra como crime contra a ordem tributária, previsto na Lei nº 8.137/90, seguindo com a instauração de inquérito policial, para buscar elementos para a propositura de ação penal.
Apesar da conduta ser aparentemente atípica, a discussão foi levada ao STF, por intermédio do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 163.334, oportunidade em que os Ministros entenderam pela possibilidade de criminalização da conduta.
Na oportunidade, o Ministro relator, Roberto Barroso, ressaltou que “não se trata de criminalização da inadimplência, mas da apropriação indébita. Estamos enfrentando um comportamento empresarial ilegítimo”.
Todavia, na prática, a medida causa uma histeria social, que circula entre os empresários, que pelo simples fato de cogitar o recolhimento à prisão, fazem qualquer coisa para evitar uma pena, mesmo sem condições financeiras.
A ação estatal, na verdade, se consubstancia em meio alternativo de cobrança de tributo, mas que mais se assemelha com um meio coercitivo, como tentativa de reduzir as Execuções Fiscais, eis que a privação da liberdade é uma sanção mais grave do que a supressão do patrimônio.
A situação se agrava, uma vez que o §2º, do art. 83, da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 12.382/11, previu a suspensão da pretensão punitiva do Estado quando o contribuinte aderir ao parcelamento, com a posterior extinção (§ 4º, do mesmo dispositivo legal), mas desde que celebrado antes do oferecimento da denúncia.
Em outras palavras, mesmo com a intenção do contribuinte em realizar a regularização da dívida, com a adesão ao parcelamento, se oferecida a denúncia, caberá ao Ministério Público o prosseguimento da ação.
Infelizmente, o que se vê é um aumento das ações penais que imputam a empresários crimes contra a ordem tributária, sem observar o princípio da verdade real, até mesmo com a criação de equipes específicas dentro do Ministério Público, com o objetivo de buscar a regularização de tributos declarados e não pagos.
Em meio ao procedimento investigatório, os representantes da empresa são cientificados da possibilidade de celebração de parcelamento, como alternativa para a suspensão da pretensão punitiva do Estado.
Contudo, o empresário que de fato está passando por dificuldades financeiras e possui provas documentais ou até mesmo testemunhais de tal fato podem e devem exercer seu direito de defesa.
A luta é árdua e a vitória é incerta. Entretanto, é melhor enfrentar o problema do passado e tentar acertar o futuro, do que apenas adiar uma dor de cabeça que não será resolvida de uma hora para outra.
É notório que no Brasil a carga tributária é uma das maiores do mundo e o empresário muitas vezes se encontra no limite. Não é de uma hora para outra que o problema, muitas vezes de anos, será resolvido com o pagamento de parcelas mensais altas do parcelamento, mais os débitos presentes. Até porque se os débitos presentes não forem quitados, ensejarão nova instauração de inquérito para apuração de crime, iniciando um círculo vicioso sem fim.
Além disso, caberá ao Ministério Público, como órgão acusador, a prova do crime imputado ao empresário, não a este a prova de que é inocente. Toda a discussão gira em torno do animus, isto é, da intenção livre, consciente e contumaz de não cumprir suas obrigações de recolhimento de tributo, mesmo que haja o cumprimento da obrigação acessória, isto é, a declaração.
Desta forma, caso existam elementos que demonstrem que o contribuinte não pagou o tributo por dificuldades enfrentadas na condução da empresa, o que afasta a tese do Ministério Público de que a ausência de pagamento visou lesar o Fisco, é viável e oportuno aguardar o oferecimento da denúncia, com o exercício do contraditório e ampla defesa em sua plenitude.
Para tanto, é necessária a escolha de profissionais que além do domínio técnico, tenham atenção com o investigado ou até mesmo acusado, dependendo da fase, para lhe permitir a tomada da melhor opção e lhe dê suporte para continuar com as atividades, mesmo diante de um problema tão complexo.
Diante disso, conclui-se que a ação penal para apuração de crime contra a ordem tributária é mais uma medida alternativa de cobrança perpetuada pelo Estado, como tentativa de reduzir as ações de Execução Fiscal, cabendo ao empresário investigado tomar ciência da real situação da empresa e das causas que geraram o inadimplemento, para tomada da melhor decisão, isto é, aderir ao parcelamento ou enfrentar o processo criminal, até mesmo para optar por uma alternativa que resolva o problema, não apenas o prorrogue.
[1] https://www.jota.info/tributos/reforma-tributaria-stj-diz-que-processos-vao-triplicar-e-critica-proposta-da-agu
Por Diego Bulyovski Szoke
Advogado tributarista pela Lopes & Castelo Advogados