No mundo dos contratos e das relações empresariais, é comum que as partes busquem formas de assegurar o cumprimento das obrigações assumidas. Entre as garantias pessoais mais conhecidas estão a fiança e o aval, que embora possam parecer semelhantes, apresentam diferenças significativas em sua natureza jurídica, extensão de responsabilidade e forma de constituição.[1]
A confusão entre essas duas figuras é frequente, especialmente porque ambas envolvem alguém que se dispõe a garantir o pagamento de uma dívida alheia. No entanto, compreender o papel de cada uma delas é fundamental para quem atua em operações comerciais ou mesmo em contratos mais corriqueiros do dia a dia, como locações e financiamentos.
A fiança é uma figura típica do direito civil, prevista nos artigos 818 a 839 do código civil. Por meio dela, uma pessoa, o fiador, assume a obrigação de pagar a dívida caso o devedor principal não o faça. Trata-se de uma garantia pessoal e acessória, ou seja, que depende da existência e validade da obrigação principal.
Por ser um contrato, a fiança precisa ser expressa e formalizada. Isso significa que não pode ser presumida, o fiador deve manifestar de forma clara e inequívoca sua intenção de garantir o cumprimento da obrigação de terceiro. É comum, por exemplo, que contratos de locação exijam a assinatura de um fiador como condição para sua validade.
Uma das principais características da fiança é o chamado benefício de ordem, previsto no artigo 827 do Código Civil. Em regra, o fiador só pode ser cobrado após o credor ter buscado, sem sucesso, o pagamento junto ao devedor principal.
Outro ponto importante é que o fiador pode limitar o alcance de sua responsabilidade, assumindo a garantia apenas até determinado valor, prazo ou obrigação específica, conforme autoriza o artigo 822 do mesmo código[2].
Além disso, em contratos de duração indeterminada é possível solicitar a exoneração da fiança, permanecendo responsável apenas pelas obrigações já existentes até a data do pedido.
A fiança, portanto, constitui um instrumento importante de segurança contratual, mas envolve riscos consideráveis. Caso o devedor não pague, o fiador poderá ser acionado judicialmente e ter seus bens pessoais penhorados.
Já o aval é uma figura própria do direito cambiário, aplicável aos títulos de crédito, como notas promissórias, duplicatas, cheques e letras de câmbio. Diferentemente da fiança, o aval não decorre de um contrato, mas de um ato unilateral que se materializa com a assinatura do avalista no próprio título.
A função do avalista é garantir o pagamento do título, tornando-se responsável solidariamente com o devedor principal. Em outras palavras, o credor pode cobrar o avalista diretamente, sem precisar primeiro acionar o emitente do título. Essa é uma das diferenças mais marcantes em relação à fiança.
O aval está previsto nos artigos 30 a 32 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 57.663/1966)[3] e também no artigo 29 da Lei nº 7.357/1985 (Lei do Cheque)[4]. Essas normas estabelecem que o aval é autônomo e solidário, e que o avalista responde pelo pagamento da mesma forma que o devedor garantido.
Com essa natureza autônoma, sua validade independe da obrigação principal. Ainda que o negócio jurídico que deu origem ao título de crédito seja anulado, o aval pode continuar válido, desde que o título preencha os requisitos legais. Essa autonomia confere ao aval uma força cambial mais ampla e garante maior segurança aos credores.
Outra diferença é a ausência de benefício de ordem, conforme decorre da própria sistemática da Lei de Genebra. O avalista não pode exigir que o credor busque primeiro o pagamento junto ao devedor. Sua responsabilidade é imediata e integral, o que torna o aval uma garantia mais rígida e, consequentemente, mais arriscada para quem o presta.
Para o aval se aperfeiçoar basta a assinatura do avalista no título, acompanhada ou não da expressão “por aval”. Em uma nota promissória, por exemplo, a mera assinatura no anverso, sem qualquer ressalva, já é suficiente para caracterizar o aval. Essa formalidade reduzida é uma das razões pelas quais o aval é amplamente utilizado em operações comerciais e financeiras.
Por outro lado, essa simplicidade também exige cautela. Muitas pessoas assinam títulos de crédito sem compreender o alcance jurídico do aval e acabam assumindo obrigações de valor elevado, com responsabilidade solidária e direta. Essas distinções não são apenas teóricas, mas têm repercussões práticas diretas sobre o patrimônio de quem assume a garantia.
Tanto o fiador quanto o avalista podem ser acionados judicialmente, e ambos correm o risco de ver seus bens comprometidos em caso de inadimplência do devedor.
Por isso, antes de assinar um contrato de fiança ou prestar aval, é indispensável avaliar cuidadosamente as condições da obrigação e buscar orientação jurídica especializada.
[1] Revista de Direito Mercantil, vol. 76, ano 28, p. 5-13, São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 1989.
[2] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 20 out. 2025.
[3] BRASIL. Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966. Promulga a Convenção de Genebra de 1930 sobre letras de câmbio e notas promissórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jan. 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D57663.htm. Acesso em: 20 out. 2025.
[4] BRASIL. Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985. Dispõe sobre o cheque e revoga a legislação anterior. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 set. 1985. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7357.htm. Acesso em: 20 out. 2025.

Por Jocelizia dos Santos Barbosa Silva
Advogada Cível pela Lopes & Castelo Sociedade de Advogados





