O canal de denúncias é um dos pilares de um programa de compliance efetivo e evoluiu de forma significativa ao longo dos últimos anos. Entre o período de 1990 e 2000, a ferramenta passou por importantes transformações. Inicialmente estruturada de maneira bastante informal, por meio de caixas de sugestões físicas, começou gradualmente a ganhar espaço nas organizações, impulsionada principalmente pelas crescentes pressões regulatórias.
Com a vigência da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), a implementação do canal de denúncias passou a ser reconhecida como essencial para o Brasil. Nesse período, o canal se tornou mais acessível e presente nas organizações.
Mais recentemente, em 2020, os canais multiplataformas ganharam força, com opções de registro anônimo e diferentes meios de contato, como portais online, telefone 0800 e aplicativos, permitindo que todo o processo fosse gerido de forma integrada. Já neste ano, com os avanços da Inteligência Artificial, algumas organizações estão utilizando a IA para o atendimento inicial das denúncias. A decisão entre o atendimento automatizado ou humanizado deve considerar o perfil e as necessidades específicas da empresa.
Nesse sentido, o canal de denúncias é tradicionalmente visto como uma ferramenta de detecção, já que muitas comunicações recebidas relatam fatos que já ocorreram. No entanto, quando utilizado de forma responsável e estruturada, também exerce um papel preventivo, permitindo a identificação precoce de riscos, a aplicação de medidas disciplinares, a condução de investigações completas e a adoção de ações corretivas e de mitigação.
Para ser efetivo, o canal de denúncias deve ser independente, transparente, acessível e garantir o anonimato do denunciante. É igualmente essencial que seja amplamente divulgado tanto ao público interno quanto ao externo, com fluxos claros e bem comunicados, de modo que o denunciante se sinta confiante ao registrar uma ocorrência. Além disso, as investigações precisam ser conduzidas com seriedade e sigilo, para que a ferramenta seja valorizada e fortaleça o programa de compliance. Nesse contexto, o denunciante exerce papel fundamental e deve ser orientado sobre a finalidade do canal e sobre como utilizá-lo de forma adequada.
Infelizmente, algumas empresas ainda implementam o canal apenas para “cumprir tabela”, sem que ele seja efetivamente funcional. Entre os desafios mais comuns, destaca-se o aculturamento limitado, geralmente restrito a treinamentos pontuais realizados apenas uma vez ao ano. Outro problema recorrente é o recebimento de denúncias de caráter interpessoal, ou seja, “picuinhas” que desviam a ferramenta de sua finalidade principal.
Para que o canal seja efetivo, é importante que a organização adote um plano contínuo de comunicação e treinamento sobre sua utilização. Também é recomendável estabelecer indicadores de desempenho e de risco, dando prioridade às denúncias mais graves, mas sem negligenciar as demais. A análise periódica das denúncias possibilita a identificação mais aprofundada das causas, como no caso de um aumento significativo de denúncias relacionadas a assédio, que pode indicar a necessidade de campanhas internas de conscientização e educação.
A empresa deve dispor de planos de ação efetivos para mitigar e corrigir violações ao Código de Ética, tratando o canal de denúncias como parte estrutural de sua governança. Fluxos bem definidos e amplamente divulgados são essenciais para garantir a confiança do denunciante e a efetividade do processo. Dessa forma, o canal de denúncias deixa de ser um simples requisito formal e se consolida como peça chave de um programa de compliance robusto e maduro, fortalecendo a cultura ética e de integridade nas organizações.
Por fim, é importante que as organizações compreendam que o canal de denúncias não é exclusivo das empresas de grande porte. As organizações de pequeno porte, dentro de sua realidade e capacidade, também devem implementar um canal de denúncias, reforçando o compromisso com a ética e a conformidade.

Por Laura Nanini Batista
Advogada do Direito Digital e Compliance da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados