A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgamento aos Embargos de Divergência em Recurso Especial de nº1874222, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, decidiu que é possível mitigar a regra de impenhorabilidade do salário independentemente do valor recebido pelo devedor, dando prevalência ao princípio da efetividade, desde que a verba possa suportar a sua constrição, sem prejudicar a dignidade do devedor.
O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 833, IV, §§ 1º e 2º, manteve a impenhorabilidade dos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlio e montepios, como ocorria no art. 649, IV, do Código de Processo Civil de 1973, desde que às importâncias não fossem excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais, haja vista o caráter da verba destinada ao sustento do devedor e de sua família.
No entanto, a jurisprudência e a doutrina já vinham relativizando o art. 833, IV, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, com fundamento nos princípios legais constitucionais da razoabilidade e da efetividade, de acordo com o caso, tendo em vista que o valor recebido a título de salário superava as necessidades básicas do devedor, perdendo a natureza quanto ao excedente.
No caso recentemente julgado, referidos Embargos de Divergência foram interpostos pelo credor à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, haja vista que a Quarta Turma havia indeferido o pedido de penhora de 30% (trinta por cento) do salário, equivalente a R$8.500,00 mensais, de modo que a dívida equivalia a execução de aproximadamente R$110 mil reais e, a Terceira Turma havia decidido, em caso semelhante, afastando o caráter absoluto, permitindo a penhora.
Segundo relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, a divergência consistia em definir se a impenhorabilidade, estaria condicionada a natureza alimentar ou se, além disso, deveria observar o limite de 50 (cinquenta) salários mínimos mensais.
Deste modo, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a regra do art. 833, IV, §§ 1º e 2º, do CPC, pode ser afastada, admitindo a ‘relativização da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservada a quantia que assegure a sua subsistência e de sua família’. Em face desta decisão, ainda cabe recurso.
Entretanto, caso transite em julgado, será permitida relativização da impenhorabilidade do salário, não sendo mais necessário observar o limite de 50 (cinquenta) salários mínimos, uniformizando a jurisprudência interna, por ostentar característica de recurso de fundamentação vinculada.
Há de se reconhecer, pelo princípio do razoável, que se o salário é devido a satisfazer a obrigação assumida pelo devedor, na hipótese de descumprimento, não demonstrando que a totalidade de seu salário é indispensável para prover sua subsistência, nada impede que parte deste salário, seja constrito para o pagamento da dívida e quitação da obrigação.
Portanto, conclui-se que referida relativização da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial garante maior efetividade processual com a satisfação do direito material do credor, prevalecendo os valores que atendam aos reclamos constitucionais, para a mais justa prestação jurisdicional.
Por Isadora Schmidt Farão
Advogada especialista na área cível pela Lopes & Castelo Sociedade de Advogados