Contexto
Em 8 de janeiro de 2023, uma multidão de pessoas invadiu o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal e após isso, o STF intensificou as investigações sobre essas pessoas.
O ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos que apuram esses atos, ordenou ao X o bloqueio de diversos perfis em redes sociais dos envolvidos nas invasões sob pena de multa diária de 50 mil.
As ordens de Moraes dividiram a opinião pública, com alguns entendendo esse bloqueio como necessário para a garantia do estado democrático e outros entendendo que se tratava de um cerceamento à liberdade de expressão. Entre esses últimos, Elon Musk, bilionário dono da rede X, com mais de 22 milhões de usuários no Brasil. Musk se recusou então a retirar os perfis do ar, descumprindo a decisão do ministro.
Em 15 de agosto, Alexandre de Moraes aumentou de R$ 50 mil para R$ 200 mil a multa diária aplicada ao X por descumprir suas decisões.
Pouco depois, em 17 de agosto, a rede social anunciou, por meio de uma publicação na própria plataforma, o fechamento de seu escritório no Brasil, alegando ameaças de prisão contra a responsável pela rede no país, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, por não cumprimento de decisões judiciais, crime de desobediência. Assim, Elon alegou a proteção dos seus funcionários para o fechamento do escritório no Brasil.
Mesmo com o encerramento das atividades administrativas, a rede social continuaria funcionando normalmente.
Moraes determinou no dia 28 de agosto que o X nomeasse em 24 horas um novo representante legal no Brasil, conforme exigido pela legislação local. O ministro advertiu que, se a empresa não o fizesse, ele poderia determinar que a rede social fosse imediatamente tirada do ar.
O X não é a primeira rede social a ter problemas com a falta de representantes legais no Brasil. Em maio do ano passado, o mesmo aconteceu com o mensageiro Telegram, que após ser intimado sob pena de ter o aplicativo retirado do ar, nomeou novo responsável legal no Brasil.
Como forma de “cobrar multas” aplicadas contra a rede social X por descumprir decisão judicial, Alexandre de Moraes decidiu bloquear as contas da empresa Starlink, também pertencente a Elon Musk, no Brasil.
Na quinta (29/08), o X postou uma mensagem na plataforma sugerindo que não cumpriria a determinação de Moraes de indicar um representante legal para a empresa no Brasil.
Assim, Moraes emitiu a decisão de bloqueio do X em todo o território nacional, proibindo também VPNs, túneis virtuais por meio dos quais pode-se contornar o bloqueio, e impondo multa de 50 mil para quem acessasse o X por meio dessas VPNs. Pouco tempo depois a proibição às VPNs caiu, mas as multas para quem acessar o X por meio delas permanece.
Em 02/09/2024, a primeira turma do STF referendou por unanimidade a decisão do Ministro Alexandre de Moraes no sentido da suspensão do X. Repudiando a desobediência a ordens judiciais e reforçando aquilo que diz a lei quanto à necessidade de um representante legal no país, os ministros seguiram a decisão. A única divergência parcial foi o ministro Luis Fux, quanto à multa de 50 mil aos usuários que acessarem o X por VPN.
Análise
Toda a situação tratou-se de um jogo de cartas marcadas. Elon Musk, que certamente tem assessoria capaz de interpretar a lei brasileira, sabia que o descumprimento reiterado das leis nacionais culminaria no bloqueio da plataforma. Alexandre de Moraes, por outro lado, aplicou os regramentos dispostos no código civil e no marco civil da internet, inicialmente de forma polêmica, com o pedido de suspensão de contas e não conteúdos, e, em num segundo momento ao impor multas, exigir representante legal do X no Brasil e determinar a suspensão das atividades da plataforma. A exigência de representante legal no Brasil é questão inquestionável, haja vista que é uma disposição aplicada a toda e qualquer empresa estrangeira que queira operar no Brasil.
O X é proibido em alguns países do mundo, mas essas proibições não seguiram o mesmo rito do Brasil. A China exerce forte controle da internet e bloqueou o X ainda em 2009 frente a protestos. No Irã, no Mianmar no Paquistão e na Venezuela, a rede foi bloqueada por conta de protestos em processos eleitorais. O Turcomenistão e a Coréia do Norte bloqueiam não apenas o X mas outras plataformas, numa internet disponível para poucos e fortemente monitorada. A Rússia alega conteúdos ilegais e a guerra na Ucrânia como causas para o bloqueio.
Esses países são não são tidos no cenário mundial como democráticos, e o bloqueio do X não passou por um devido processo legal, assim como aqui.
Outro ponto importante são as ordens judiciais semelhantes, recebidas pelo X dos governos da Turquia e da Índia, recentemente. Estas ordens foram prontamente atendidas pela rede social, sem contestações referentes à liberdade de expressão.
Neste momento, a operação da plataforma no Brasil encontra-se num impasse: A retirada da suspensão está condicionada ao cumprimento das ordens judiciais, pagamento das multas e estabelecimento de um representante legal no Brasil, o que Elon Musk nega-se terminantemente a fazer.
Conquanto a decisão de bloquear a rede social esteja tecnicamente correta, em relação a necessidade de apresentação de um representante legal, o X contava com 22 milhões de usuários no Brasil, sendo o 5º maior mercado mundial da rede. Embora alguns aleguem que, de início, a remoção de conteúdos, não perfis, teria evitado ou dificultado que a situação chegasse a esse nível, outros dizem que a disputa é ideológica e esse resultado era inevitável. De toda forma, esse caso com certeza vai influenciar o debate e o aprimoramento legislativo.
Por enquanto, o que verificamos é uma migração em massa de usuários para redes similares como o Threads e o Bluesky. A expectativa é de acomodação do público do X em outras mídias, visto que esse bloqueio, aparentemente, vai durar muito tempo.
Por Thiago Bento
Advogado do Direito Digital da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados