O valor arrecadado de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte
No cotidiano da apuração e recolhimento de diversos tributos, especialmente aqueles de competência da União Federal – tributos federais, as empresas brasileiras têm reiteradamente esbarrado em exações ilegais e inconstitucionais.
São muitos os exemplos dessas situações, tal como a indevida inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, questão esta que restou superada pelo julgamento do RE 574.706, julgado de forma favorável aos contribuintes pelo Supremo Tribunal Federal.
No referido julgamento, a Suprema Corte assentou que o ICMS não constitui receita ou faturamento das empresas, mas sim mero custo repassado aos Estados da Federação, de modo que não poderia servir de base de cálculo para a apuração do PIS e da COFINS.
Ora, não há como negar que o mesmo raciocínio se aplica e está intrinsecamente ligado à inclusão do ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados no regime do lucro presumido, afinal a decisão do STF foi proferida à luz da Constituição Federal para, reflexamente, definir o que é receita bruta.
Vale dizer, o valor arrecadado de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, sendo revertido ao Fisco Estadual, não constituindo, diga-se novamente, faturamento ou receita, mas mero trânsito na contabilidade do contribuinte.
O fato gerador do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) está indicado no art. 43 do Código Tributário Nacional, sendo a sua base de cálculo prevista no art. 210 do Decreto n.º 9.580/2018, composta pelos acréscimos patrimoniais dos contribuintes a partir da incorporação de riqueza ao patrimônio existente.
Por sua vez, com relação à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), aplicam-se as mesmas disposições, pois, nos termos do art. 2º da Lei 7689/88, “a base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda”.
É certo que o artigo 15 da Lei 9.249/1995, com a redação dada pela Lei 12.973/2014, explicita que a base de cálculo do IRPJ apurado no lucro presumido será determinada pela aplicação de um determinado percentual sobre a receita bruta experimentada mensalmente, observado o quanto preceituado no artigo 12 do Decreto-lei 1.598/1977.
O artigo 12 do Decreto-lei 1.598/1977, também com redação dada pela Lei 12.973/2014, dispõe que a receita bruta para cálculo do Lucro Presumido é composta pelo produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço da prestação de serviços em geral, o resultado auferido nas operações de conta alheia e demais receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica, excluindo as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador e incluindo o ICMS.
Ademais, o § 3º, do artigo 26, da Instrução Normativa RFB n.º 1.700/2017, de forma expressa também dispõe que o ICMS integra a receita bruta, o que faz com que a Autoridade Impetrada exija dos contribuintes, que o ICMS seja computado na Receita Bruta e consequentemente haja incidência do IRPJ e da CSLL.
Todavia, referidas normas se encontram em dissonância com a Constituição da República, visto que receita bruta é conceito constitucional que não pode ser alterado por lei ordinária.
Evidente que a base de cálculo do IRPJ e da CSLL não pode extravasar, sob o ângulo do faturamento, o valor do negócio, ou seja, a parcela percebida com a operação da empresa. Especificamente quanto ao conceito de receita e quanto ao que possa ser considerado contabilmente sob este prisma.
Assim, não há que se falar na possibilidade de inclusão do ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL no regime do lucro presumido, sob pena de incluir item que não se trata de receita, e que acaba por deformar o conceito de faturamento sobre o qual será efetuado o cálculo da tributação da empresa.
A ideia de que o faturamento ou a receita dependem de acréscimo patrimonial definitivo, e de que o ICMS repassado aos Estados não se qualifica como receita que pertença, por direito próprio e definitivo, ao patrimônio da empresa contribuinte, não apenas consolida a jurisprudência do STF (tendo permeado o julgamento do RE 240.785), como transparece, ainda que com específicas nuances, nos votos dos Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e Luiz Fux, que acompanharam a maioria no RE 574.706. Com efeito, a mesma sistemática mostra-se aplicável ao ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Ou seja, a controvérsia a respeito do que se entende por “receita bruta” já foi definitivamente solucionada pelo STF, em sede de repercussão geral, o que corrobora os argumentos para que o ICMS não seja incluído nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, sob pena de permitir sejam mantidos os efeitos de uma norma já declarada inconstitucional pela Suprema Corte.
Assim, pelo exposto é notório que, já tendo o STF definido ser inconstitucional a inclusão de repasses de tributos no conceito de faturamento e/ou receita bruta, substrato econômico sobre o qual incidem as contribuições ao PIS e à COFINS, o mesmo raciocínio serve para a definição da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no lucro presumido, de modo que todas as premissas do caso contido no RE nº 574.706-PR se aproveitam para solução da questão em debate.
Isso porque, a matéria decidida pelo Colendo Plenário do STF, no sentido de que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS (RE 240.785-MG e RE 574.706-PR), guarda inequívoca identidade com a questão debatida, que diz respeito à exclusão do ICMS, de competência estadual, nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL apuradas no lucro presumido.
Cabe acrescentar que no julgamento do RE 574.706 o STF definiu que o PIS e a COFINS não poderiam ter em sua base de cálculo o ICMS, dentre os motivos por clara violação ao texto do art. 195, I, b da Constituição Federal, também em evidente questão relacionada a violação do conceito de receita.
Por todo o sucintamente exposto, mostra-se evidente que o ICMS, por não se configurar como receita ou faturamento, mas mero ingresso na contabilidade para posterior repasse ao Erário Estadual, não pode ser incluído nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, sob pena de grave vício de inconstitucionalidade.
Por fim, importante consignar que a 1ª Seção do STJ, em sessão realizada em 12/03/2019, deliberou submeter a matéria à sistemática dos recursos repetitivos, afetando para julgamento conjunto os REsp. 1.767.631/SC, 1.772.634/RS e 1.772.470/RS e determinando a suspensão da tramitação dos processos em todo território nacional que tratam da exclusão do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das empresas optantes do lucro presumido.
A questão controvertida (Tema 1008 do STJ) restou assim delimitada: “Possibilidade de inclusão de valores de ICMS nas bases de cálculo do Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido – CSLL, quando apurados pela sistemática do lucro presumido”.
Portanto, cabe agora ao STJ definir e julgar a questão em apreço, sendo importante que os contribuintes adotem as medidas judiciais cabíveis o mais breve possível, objetivando o reconhecimento do direito à exclusão do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no lucro presumido e garantir a possibilidade de compensar ou restituir os valores recolhidos indevidamente nos últimos cinco anos, caso a tese seja julgada em favor do contribuinte, que é o que se espera como medida de resguardo dos ditames constitucionais e em consonância com o julgamento do RE 574.706 pelo STF.
Por Thiago Sanchez Thomaz
Advogado tributarista da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados