No próximo 1º de abril, “dia da mentira”, o empresariado brasileiro do e-commerce corre o sério risco de acordar sem nada a comemorar, ao menos no que se refere às suas obrigações enquanto contribuinte do ICMS. É nesta predestinada data que se dará o primeiro aniversário da edição do folclórico Protocolo 21 pelo Confaz. Pura e triste verdade. Aguarda-se, com grande expectativa, os julgamentos das ADIs 4565, 4628 e 4713 , todas propostas junto ao STF contra a matéria presente no mencionado Protocolo Ventuno, cujo texto mais se aproxima de uma itálica opera buffa do que de um instrumento normativo válido, seja ele qual for. O pronunciamento de nossa Corte Suprema deve colocar fim aos incalculáveis e nocivos efeitos advindos de sua aplicação. Ao menos em matéria tributária, nossa Corte Constitucional não se via diante de tamanho descalabro desde os tempos colloridos.

Ao longo de suas sete cláusulas, os signatários do Protocolo 21 conseguiram ridicularizar o modelo federativo, insultar os Poderes da República, escarnecer os princípios constitucionais relacionados à atividade econômica e aos tributos e, por último, menoscabar por completo tanto o direito dos consumidores quanto as limitações constitucionais ao poder de tributar, verdadeiras garantias constitucionalmente asseguradas aos contribuintes, aqui representados pelos empresários do e-commerce. Achincalhe geral. O desmando começa no parágrafo único de sua cláusula primeira. Desprezando por completo a autonomia dos Estados, sua redação faz troça do pacto federativo e parece querer reduzi-lo a uma Ata de Assembleia de Condôminos, onde todos se submetem aos seus termos, incluindo-se os Estados não signatários. As premissas da Federação, quais sejam, a paridade e a coordenação foram jogadas no lixo, pela falta de um lugar pior para fazê-lo.

Jogou-se o ICMS contra os Poderes da República. De um lado, o Confaz, através deste Protocolo se apropriou da competência do Poder Legislativo ao definir não só novo fato gerador do ICMS e novas bases de cálculo, mas também ao dispor quem serão os seus contribuintes. Não contente, a redação do Protocolo 21 claramente contradisse a própria finalidade do Confaz (órgão do Poder Executivo), qual seja, a promoção de ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência dos Estados e do Distrito Federal, conforme previsto no artigo 1º de seu próprio Regimento Interno. A harmonização e a competência dos Estados tomaram o mesmo destino das premissas mencionadas no parágrafo precedente.

Não bastasse a afronta aos dois mencionados Poderes da República, a edição do referido Protocolo deu-se na contramão dos compromissos assumidos pelo Poder Judiciário junto aos Pactos Republicanos de 2004 e 2009, o primeiro voltado ao combate à morosidade dos processos judiciais; o segundo, buscando viabilizar um sistema de Justiça mais acessível e efetivo. Em resposta aos seus dispositivos manifestamente ilegais, um sem número de ações são propostas diariamente junto ao Poder Judiciário dos Estados pelas empresas e demais operadores do comércio eletrônico. A chuva de mandados de segurança, ações declaratórias de inexistência de relação jurídica e ações anulatórias contra autuações lastreadas por este malfadado Protocolo ganha corpo e se junta, a cada dia, à tão conhecida tempestade que de há muito assola os cartórios, desgasta os serventuários da justiça e sufoca, cada vez mais, um judiciário afogado no quase infinito mar de processos pendentes de análise e julgamento.

Em matéria de princípios constitucionais, o atentado é evidente. Mutilou-se o artigo 150 da Constituição Federal em vários pedaços, arrancando-lhe impiedosamente os incisos I (legalidade tributária) e V (vedação à limitação ao tráfego de bens). Riscou-se da Carta Democrática a não discriminação em função da origem ou destino dos bens prevista em seu artigo 152, o mesmo ocorrendo com as disposições do artigo 155, XII, “a” e “b” (exigência de Lei Complementar). Os fundamentos da ordem econômica, quais sejam, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, ambos garantidos também – mas não somente – pela observância dos princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor (Art. 170, incisos VI e V respectivamente) foram igualmente violentados pela mal escrita letra do Protocolo 21. Se falarmos da violação às bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado a que se refere o §1º do art. 174 de nossa Constituição, a conversa ganha foros de insanidade.

Mas não é só. Se de um lado atingiu o sistema como um todo, a manifesta inconstitucionalidade do ato editado pelo Confaz atingiu também em cheio o dia a dia dos contribuintes do ICMS, pontualmente representados pelos empresários do e-commerce. Sob a vigência do Protocolo 21, os esforços no sentido de baixar o seu preço, agilizar o período de entrega, permitir um pagamento a perder de vistas, investir em tecnologia, modernizar a sua frota, otimizar as suas parcerias, aumentar os salários de seus empregados; enfim, todo o seu empenho para conquistar o seu consumidor está pelo Protocolo ameaçado. Basta que um de seus caminhões seja barrado na fronteira de um de seus signatários para que a ameaça se torne realidade. Basta a aplicação dos percentuais de 7% e 12% previstos em sua cláusula terceira para que o planejamento e competitividade desfaleçam, anunciando ao seu negócio que a morte dele se aproxima. É o ICMS contra todos. Basta!

Por um ou por todos os motivos aqui expostos, não há dúvidas que o Protocolo 21 é uma aula sobre o que não deve ser feito não só com a nossa Constituição, mas com o nosso empresário e, em última instância, com o nosso consumidor. Oxalá permita que até a antevéspera do pesce d’aprile possa o STF finalmente determinar a sua inconstitucionalidade, fato este que será luz, ainda que de lamparina na noite dos desgraçados, na célebre expressão do Senhor Constituinte Ulisses Guimarães.

Fonte: DCI – Diário Comércio Indústria & Serviços

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