Recentemente o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1625, que tramita desde 1997.
O julgamento que será realizado pelo Supremo Tribunal Federal tem como objeto a validade ou não do Decreto nº 2.100 de 1996, que denunciou, ou seja, revogou a adesão do Brasil a Convenção nº 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Ocorre que, embora a Convenção nº 158 tenha sido ratificada pelo Brasil, ela foi denunciada pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que revogou a adesão do Brasil à Convenção, através do Decreto nº 2.100 de 1996.
Dessa forma, a Convenção nº 158 não chegou a ser aplicada no Brasil.
A controvérsia surge a partir da revogação da Convenção nº 158, através do Decreto Presidencial nº 2.100/96.
Isso porque, diante deste cenário, sobreveio vários questionamentos a respeito da constitucionalidade desta revogação, sob o argumento de que esta não poderia ter sido realizada por ato unilateral do Presidente da República, sem a deliberação do Congresso Nacional.
Em consequência, o Supremo Tribunal Federal irá julgar sobre a legalidade do Decreto nº 2.100, por ato unilateral do Presidente da República.
É fato que a depender do julgamento do Supremo Tribunal Federal, o Brasil voltará a ser signatário da Convenção nº 158, o que poderá gerar alguns impactos nas relações de trabalho.
Mas, afinal, do que se trata a Convenção nº 158, objeto do julgamento do Supremo Tribunal Federal?
A Convenção nº 158/OIT, também conhecida como a “Convenção sobre o Término da Relação de Trabalho”, dispõe sobre a impossibilidade do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, sem que exista uma causa justificada, ou seja, sem que exista um motivo.
Tal causa justificada deverá estar relacionada com a capacidade ou comportamento do trabalhador, bem como poderá estar baseada nas necessidades da empresa.
Assim, a Convenção nº 158 prevê alguns procedimentos que deverão ser adotados pelos empregadores antes que ocorra o término do contrato do trabalho.
Dentre tais procedimentos, há a impossibilidade de terminar a relação de trabalho por motivos relacionados com o comportamento ou desempenho do empregado, sem antes dar ao trabalhador a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele.
Ainda, o trabalhador que considerar injustificado o término do contrato de trabalho, terá o direito de recorrer contra o empregador perante um organismo neutro, tais como, um tribunal do trabalho.
Tais organismos serão habilitados para analisar as causas alegadas pelo empregador para o término da relação de trabalho, avaliando se a rescisão possui ou não justificativa.
Na hipótese em que os organismos chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é injustificado e se, em razão da legislação e práticas nacionais, não for possível anular o término e ordenar ou propor a readmissão, tais organismos terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.
Por fim, o empregador que prever términos por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, deverá notificar à autoridade competente, comunicando a informação, uma exposição dos motivos dos términos previstos, o número e as categorias dos trabalhadores afetados, bem como o período durante o qual serão efetuados os términos.
Fato é que, a justa causa prevista na Convenção nº 158 para demissão dos empregados não se confunde com a justa causa prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, àquela que ocorre apenas quando o empregado comete uma falta grave, o que torna impossível o prosseguimento da relação empregatícia.
Dessa forma, não se trata da possibilidade de demitir o empregado apenas se ocorrer um dos motivos previstos no artigo 482 da CLT, que dá ensejo a justa causa.
O que a Convenção nº 158 prevê, é que a demissão dos empregados não poderá ocorrer sem que haja uma justificativa, que poderá se fundamentar na performance ou comportamento do trabalhador, bem como de acordo com as necessidades de funcionamento da empresa.
Deste modo, a empresa continuará podendo realizar a demissão dos empregados, utilizando-se do seu poder diretivo.
Contudo, será necessário evidenciar o motivo da demissão.
De todo modo, caso a Convenção nº 158 retorne a ter validade, o efeito das disposições previstas no instrumento internacional deverá se compatibilizar com a legislação nacional.
A propósito, importante ressaltar que em 1997 houve o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1480 na qual por votação majoritária, decidiu-se que as normas da Convenção nº 158 possuem caráter programático, não sendo auto-aplicáveis, necessitando de intermediação legislativa para efeito de sua aplicabilidade.
Nesse sentido, deve ser considerado o inciso I do artigo 7º da Constituição Federal de 1988 que dispõe sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que irá prever uma indenização compensatória, lei complementar esta que até o presente momento não foi publicada.
Com efeito, a indenização prevista na Convenção nº 158 deverá ser editada através de lei complementar, conforme dispõe a Constituição Federal, sob pena de ser considerada inconstitucional.
Ainda, inconstitucional seria, proibir o empregador de demitir os empregados, uma vez que significaria interferência na propriedade privada e na livre concorrência, prevista no inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal.
Logo, na hipótese de procedência da ADI 1625, a Convenção nº 158 não será auto-aplicável, tampouco irá se sobrepor a Constituição Federal, sendo certo que dependerá da adoção de leis ou outros atos regulamentares.
Sendo assim, em verdade, a volta da vigência da Convenção nº 158, não trará grandes alterações de forma automática, uma vez que não sendo auto-aplicável, ela não irá interferir nas regras atuais, necessitando de intermediação legislativa.
Por Juliana Alécio Dal Rovere Junquetti
Advogada e Especialista em Relações do Trabalho e Compliance Trabalhista pela Lopes & Castelo Sociedade de Advogados