Quando uma empresa entra em recuperação judicial, todas as ações, protestos e execuções contra ela são suspensos por 180 dias, para trazer fôlego ao processo de reestruturação. A Lei de Falência e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101, de 2005) é clara ao dizer que esse prazo é “irrevogável”, e começa a contar a partir do momento em que o juiz aceita o pedido de recuperação. Mas decisões judiciais começam a flexibilizar esse entendimento, admitindo a prorrogação dos seis meses, desde que se prove que não há má-fé da devedora e tentativa de protelar o processo.

Isso ocorreu, por exemplo, na recuperação judicial do frigorífico Frigol, do interior de São Paulo. O juiz Mario Ramos dos Santos, de Lençóis Paulista, permitiu a suspensão das ações e execuções por mais de 180 dias. A justificativa foi de que a recuperação judicial era complexa, com um número grande de credores e vários questionamentos. Além disso, segundo o juiz, a Frigol vinha empregando “todos os esforços necessários” para a tramitação célere do procedimento.

Outra consideração envolveu a assembleia de credores, na qual é discutida o plano de recuperação judicial – ele demonstra a viabilidade da empresa, os meios de saná-la financeiramente e pagar os credores. Para que a recuperação continue, a reestruturação tem que ser referendada pelos credores em assembleia. Se o plano for rejeitado, o juiz poderá decretar a falência.

No caso do Frigol, a assembleia estava marcada para poucos dias após o prazo de seis meses. O juiz decidiu suspender todas as ações e protestos até dez dias após a reunião. O magistrado afirmou que postergar a suspensão das ações seria do interesse tanto da empresa como dos credores, pois evitaria tumultos processuais.

Para o advogado Júlio Mandel, o prazo previsto na lei é curto para empresas grandes, quando a assembleia pode demorar por envolver muitos credores. “Essas decisões (prorrogando o período de suspensão das ações e execuções) sinalizam que o princípio da preservação da empresa está acima do dispositivo segundo o qual o prazo é improrrogável”, diz Mandel, citando outros casos recentes em que o Judiciário admitiu a prorrogação. Um deles envolveu a Palitos Gina, fabricante de palitos de dente em Nova Ponte, no Triângulo Mineiro.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) também se posicionou nesse sentido, ao permitir a extensão dos 180 dias na recuperação judicial da fabricante de tecidos Textil Cryb, do município de Campo Limpo Paulista, em São Paulo. A empresa pediu e conseguiu mais tempo para que se aprovasse o plano de recuperação judicial, mantendo a blindagem.

Um banco credor questionou a decisão alongando o período. O argumento do banco se baseou no artigo 6º, parágrafo 4º da Lei nº 11.101, segundo o qual a suspensão das ações “em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 dias”. Ao analisar o recurso, o TJ-SP reconheceu que, via de regra, esse período não pode ser alterado. Mas entendeu que, como no caso específico o atraso não podia ser atribuído à empresa, seria razoável prolongar os 180 dias.

O tribunal citou o artigo 47 da Lei de Falência e Recuperação Judicial, que trata da função social da empresa. O objetivo da recuperação, diz o dispositivo, é viabilizar a superação da crise, permitindo a manutenção da produção, do emprego e dos interesses dos credores.

O advogado Ruy Dourado, ressalva que essas decisões não são concedidas de forma indiscriminada – ou seja, dependem de uma análise caso a caso. “A empresa tem que mostrar que está se reerguendo, que os administradores estão envolvidos com a recuperação, e que o administrador judicial está desempenhando seu papel de forma clara e fazendo com que as coisas andem”, afirma.

Ao julgar, em março, um recurso envolvendo a cobrança de débitos trabalhistas da Viplan (Viação Planalto), a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmou que a extrapolação dos 180 dias “não causa o automático prosseguimento das ações e das execuções”, a não ser quando ficar comprovado que a empresa foi responsável pelo atraso na homologação do plano de recuperação.

O processo tratava de um conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e a Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Distrito Federal. A Viplan afirmou que, apesar do pedido de recuperação, parte de sua renda havia sido penhorada em uma execução trabalhista. A empresa pediu a liberação dos valores e que o processo corresse no juízo da recuperação. Já a defesa da trabalhadora alegou que o período dos 180 dias havia sido ultrapassado, por isso a execução deveria prosseguir na vara trabalhista. O STJ decidiu em favor da Viplan.

O advogado Gilberto Deon, aconselha as empresas que elaborem o plano de reestruturação antes de fazer o pedido de recuperação judicial. A intenção é acelerar a negociação com os credores, aproveitando-se do prazo em que as ações ficam suspensas. “Depois o relógio começa a correr”, alerta.

Maíra Magro – De Brasília

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