Uma decisão da Justiça de Mato Grosso do Sul favorável ao F. Alimentos deve colocar um fim na discussão sobre a validade da chamada “trava bancária” em processos de recuperação judicial.
O frigorífico ganhou, na homologação de seu plano de recuperação, o direito de manter empréstimos lastreados em títulos recebíveis (duplicatas, por exemplo) protegidos pelas regras da nova Lei de Falências. Assim, conseguiu sustar todo e qualquer pagamento desses créditos garantidos por recebíveis aos bancos.
As instituições financeiras brigam na Justiça, desde 2005, para manter esses créditos, classificados como “cessão fiduciária de direitos creditórios”, fora do alcance da nova lei. Dessa forma, evitam entrar dentro das regras do plano de recuperação judicial juntamente com os demais credores de companhias em dificuldades. De outro lado, as empresas em recuperação argumentam que a exclusão desses recebíveis prejudica o caixa e, em alguns casos, impede a reabilitação integral das operações.
O caso do F. deve ser um dos primeiros a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Daí, a importância da decisão, que formará um entendimento definitivo sobre a exclusão ou não desses créditos em processos de recuperação judicial.
O F. ganhou, na Vara de Caarapó (MS), o direito de manter os recebíveis no processo de recuperação. Os bancos Itaú Unibanco e Safra pediram a anulação da assembleia geral de credores no Tribunal de Justiça do Mato Grosso, justamente por terem seus empréstimos ao F. incluídos no processo de recuperação. Mas não conseguiram.
Em sua decisão, o juiz Fernando Chemin Cury afirmou que mantinha os créditos na ação para preservar os principais “valores sociais” da lei. “Exatamente a manutenção da atividade econômica e dos postos de trabalho e, com isso, a superação da crise financeira e o pagamento dos credores”.
O F., que emprega 700 pessoas e fatura R$ 150 milhões, deve R$ 20 milhões a vários tipos de credores. O Itaú tem, segundo o processo, R$ 6,06 milhões a receber. E o Safra, R$ 4,48 milhões. Ambos questionaram a realização da assembleia sem suas participações, ameaçaram pedir a falência do F. e exigiram o pagamento imediato dos débitos. “Porque eles não fizeram acordo? É o único frigorífico de Caarapó, uma cidade de 30 mil habitantes. Vários estão em dificuldade no país e o Itaú sempre cedeu. Nesse caso, não sabemos o que houve”, diz o advogado especialista Euclides Ribeiro. Consultados pela reportagem, os bancos Itaú Unibanco e Safra preferiram não comentar o caso porque o processo está “sub judice”.
Ao contrário dos demais, o banco Bradesco aceitou as condições do processo. Também credor do frigorífico, receberá seu crédito, sem deságio e com 12 meses de carência. Os juros serão pagos em 12 meses e o principal, em 84 parcelas a uma taxa de 6% ao ano. “A partir daí, cabe às instituições financeiras proporem as medidas judiciais para receberem aquilo que entendem que lhes é devido”, diz o juiz.
Diante disso, o STJ deve dar a palavra final nesses casos. Alguns tribunais têm entendido que o desconto de duplicatas não é um empréstimo, mas a venda de recebíveis. Assim, esses débitos ficavam fora da recuperação e tinham que ser pagos pela empresa. Um artigo da nova Lei de Falências (49), de fato, exclui esses empréstimos.
Recente pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pedido do Ministério da Justiça, apontou que os tribunais têm decidido mais favoravelmente aos bancos. De 90 processos analisados em todos os tribunais de Justiça do país, 53 tiveram ganho de causa para 37 instituições financeiras distintas. A maioria das decisões está concentrada na região Sudeste do país.
Mauro Zanatta – De Brasília