Vivemos a era da chamada “sociedade da informação”, que ao mesmo tempo nos oferece comodidades infinitas, dentre elas incluída a comunicação na velocidade da luz, mas multiplica desafios aos estudiosos de todos os ramos do conhecimento e praticantes de todas as técnicas, de todos os segmentos. Os operadores do Direito, especialmente os que se incumbem do estudo e da aplicação das normas tributárias, não escapam desses dilemas. O mundo como um todo precisa tratar urgentemente da criação de uma nova ordem tributária, integrada e globalizada, que leve em conta as necessidades e as características da sociedade atual.

Especialmente os aspectos tecnológicos que a nova vida comporta e exige de cada unidade contributiva, seja pessoa natural, seja jurídica. Nesse sentido são louváveis os estudos já existentes, desenvolvidos por muitas instituições, dentre elas a “International Fiscal Association”, que há alguns anos dedica-se ao tema. No Brasil poder-se-ia falar, até mesmo, da necessidade de uma nova teoria da materialidade tributária, entendida esta como o conjunto de princípios e métodos que estudam o núcleo do aspecto material do fato gerador de cada tributo. O fato gerador conserva ainda o conceito que lhe foi dado pelo nosso vetusto e basilar Código Tributário Nacional (artigo 114): situação descrita em lei como necessária e suficiente para fazer nascer a obrigação de pagar tributos, tanto os assim denominados como as outras exações que lhes sejam juridicamente equivalentes (artigo 4º do CTN).

Para o imposto sobre a renda, que incide sobre o resultado da aplicação do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, ou seja, sobre os acréscimos patrimoniais, um importante conceito é o do domicílio, especialmente da pessoa jurídica. Esse conceito ganha maior importância a cada dia, face à inexorável integração econômica internacional. A definição da competência territorial internacional para arrecadar o imposto sobre a renda sempre se apoiou em dois critérios básicos: o do domicílio de quem aufere a renda e o da fonte de pagamento.

Historicamente sempre se atribuiu a competência para arrecadar a renda em geral ao país de domicílio da pessoa física ou jurídica. Ao país da fonte pagadora sempre foi reservada a competência para a arrecadação de rendas refletidas nas remessas internacionais para pagamento de royalties e serviços e outros afins. Com o tempo desenvolveu-se a teoria do estabelecimento permanente. De acordo com ela a renda de uma pessoa jurídica poderia ser tributada proporcionalmente tanto no país do seu domicílio como em qualquer outro no qual ele mantivesse um estabelecimento permanente, assim entendido uma instalação física dedicada à industrialização, comercialização ou prestação local de serviços.

Ainda aqui o conhecimento do domicílio da pessoa jurídica era fundamental. O conceito sempre apresentou dificuldades na sua aplicação à tributação internacional. O domicílio de uma pessoa jurídica é aceito pela maioria das legislações tributárias como o do local da sua sede. A sede é sempre o estabelecimento mais importante da empresa. É dela que emanam as decisões. Mas já no mundo pré-digital verificava-se que a escolha da sede de uma empresa obedecia a critérios que nem sempre guardavam relação com os montantes das rendas geradas.

Algumas legislações optaram por definir como sede o local de trabalho dos principais administradores, fossem diretores fossem membros dos conselhos de administração. O fundamento era o de que nesses locais eram tomadas as principais decisões da empresa. A verdade é que atualmente já há empresa sem sede física permanente. Seus administradores viajam continuamente pelo mundo, visitando suas controladas e coligadas nos diversos países em que se encontram estabelecidas. Reuniões de diretoria ou de conselho são muitas vezes feitas através de tele conferências ou por computadores interligados pela Web. A ideia do grande prédio da sede de uma companhia, ou de um imenso parque fabril é contrastada com a inexistência de um local físico fixo das operações.

No mundo do comércio eletrônico talvez a sede de uma empresa fique em um computador “hospedado” em um prestador de serviços em um país completamente diferente daquele que fornece matérias primas, do outro onde elas são transformadas em produtos acabados e do terceiro onde tais bens serão consumidos ou utilizados. Tudo leva a crer que o mais justo no futuro seja atribuir a competência para arrecadar o IR exclusivamente ao país de situação da fonte pagadora. Mas em tal hipótese se deixará de tributar o “resultado das operações”, ou seja, o “lucro”, para passar à incidência direta sobre a receita.

Como medir a capacidade contributiva baseada no lucro de uma empresa, tendo como conhecimento apenas a sua receita? Não se escapará de projeções e estatísticas, cabendo aos dois pólos da relação tributária cooperar para o alcance de valores justos. No que se refere aos tributos incidentes sobre a produção e a circulação de riquezas, como o ICMS, o IPI e o Imposto de Importação, o mundo digital reserva outros desafios. Na legislação atual tais riquezas circulam entre locais físicos pertencentes ou operados pelos agentes econômicos que são os respectivos contribuintes de tais tributos. No caso do imposto de importação há até mesmo a interferência do local de alfândega.

Conseqüentemente, a desmaterialização do estabelecimento já traz um primeiro problema. As mercadorias já tendem a sair de locais que não são operados pelos contribuintes, viajando com uma velocidade cada vez maior diretamente para as mãos do consumidor. A resposta a esse desafio talvez seja, novamente, ignorar a circulação física e definir o aspecto material do fato gerador pela circulação econômica, que poderia ficar caracterizada pelo recebimento das receitas. Outro problema mais interessante da atualidade é o da variação dos valores dos bens e serviços a eles atribuídos pelos diversos agentes econômicos. Um aparelho que pode ter um valor de mercado em uma fase da circulação econômica, após a intervenção de outro agente pode ter esse valor completamente alterado.

Um exemplo da situação acima é o das unidades de telefones celulares. Cada uma delas tem um valor intrínseco enquanto aparelho eletrônico, tanto para o respectivo fabricante como para o consumidor. Para a empresa operadora da comunicação móvel ele só vale como meio para a prestação dos seus serviços. Para este último agente compensa, por exemplo, adquirir esses aparelhos do fabricante e subsidiar o preço de venda ao consumidor final, já que o seu objetivo é prestar o serviço de telecomunicação. Não há nada de errado com isso. Portanto, também aqui a legislação tributária brasileira precisa se adaptar à realidade. E a realidade é que o valor dos bens e serviços modificam-se ao longo da cadeia de fornecimento em função dos objetivos dos agentes que nela interferem. Uma preocupação é que como o ICMS é não cumulativo já se começa a notar, nos casos acima, diversas ações dos estados contestando o crédito do tributo em relação à parcela do preço subsidiada. Nada mais errado. Tal posição estatal evidentemente não encontra respaldo nos princípios constitucionais.

Fonte:
ConJur

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