A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que o simples deslocamento de bens entre estabelecimentos da mesma empresa não caracteriza hipótese de incidência do ICMS, por inexistência de negócio mercantil ou efetiva transferência de propriedade.

Por outro lado, sabemos que a Lei Complementar nº 87, de 1996, a Lei Kandir, manteve a pretensão fiscal de exigência do tributo nas transferências internas e interestaduais de mercadorias.

Os contribuintes, salvo raras exceções, não demandam judicialmente o afastamento da imposição, cientes de que a vitória impedirá o repasse do imposto ao destinatário e exigirá o estorno (devolução) do crédito decorrente da aquisição do bem, conforme determina o § 2º, inciso II do artigo 155 da Constituição Federal.

O sujeito passivo que não pretende afastar a incidência do tributo – pelo menos enquanto a previsão de incidência não for declarada inconstitucional pelo STF – deve observar os estritos critérios estabelecidos para a composição da base de cálculo, notadamente nas transferências interestaduais de bens.

Em síntese, o § 4º, do artigo 13 da Lei Kandir estabelece que o industrial deverá respeitar o custo da mercadoria produzida; o comerciante, o valor correspondente à entrada mais recente e; tratando-se de produto primário, o preço corrente deste no mercado atacadista.

O desrespeito às regras estabelecidas vem ocasionando a glosa (não aceitação) de créditos pelos fiscos de destino, em todo o território nacional. Refiro-me especificamente aos fatos que descrevo a seguir.

As indústrias que usualmente transferem mercadorias para as filiais espalhadas pelo Brasil são incentivadas a inaugurar um estabelecimento denominado Centro de Distribuição (CD), na mesma unidade federativa em que se encontra, para promover as transferências interestaduais.

Na remessa dos bens produzidos ao CD, o Fisco local autoriza que a base de cálculo do imposto da operação seja superior ao valor de custo da mercadoria produzida, por se tratar de uma operação interna. É bastante comum que o valor seja definido pela Fazenda, via regime especial de tributação.

Registrado o custo da aquisição, o CD passa a utilizá-lo como base de cálculo nas transferências interestaduais subseqüentes. Em tese, como não é um estabelecimento industrial, utiliza a regra estabelecida para os comerciantes (custo da entrada mais recente), que é, propositadamente, superior ao valor de custo da produção.

Percebe-se a intenção de majorar o valor do tributo a ser recebido pelo Estado de origem, fato que prejudicará o Fisco de destino, obrigado a reconhecê-lo como crédito.

Ao analisar um caso que envolve os fatos narrados, o STJ determinou que o custo de produção da mercadoria deveria ser o parâmetro para a definição da base de cálculo na transferência interestadual promovida pelo CD, ao alegar que a norma vigente visa evitar o conflito federativo e impedir que o contribuinte direcione o valor do tributo aos cofres públicos que melhor lhe convier.

O relator do recurso especial nº 1.109.298- RS, ministro Castro Meira, fundamentou o seu voto concluindo que o CD não pratica atos de natureza mercantil (mesma premissa utilizada para afastar a incidência do ICMS, nos casos precedentes). E, por essa razão, a base de cálculo a ser utilizada deveria ser aquela prevista para a saída do estabelecimento industrial (custo da produção).

A 2ª Turma do STJ reconheceu também o direito do Estado de destino a não legitimar o crédito do imposto destacado em excesso, ao acatar o arbitramento utilizado no processo administrativo-fiscal que excluiu o plus valorativo da base de cálculo adotada. Há razões, portanto, para não se recomendar a adoção de procedimentos que almejam modificar, direta ou indiretamente, o valor da base de cálculo do ICMS nas transferências interestaduais.

Entretanto, a emblemática decisão do aludido julgamento causou uma suspeição no meio jurídico: gesta-se, no STJ, uma possível modificação da jurisprudência assentada e formalizada pela Súmula nº 166? Essa súmula determina: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

Fonte: Valor Econômico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *