SÃO PAULO – O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebe todos os dias, em média, 1.200 processos. No ano, são mais de 300 mil, distribuídos para os 33 ministros. Nos últimos três anos ingressaram no Tribunal 105 mil habeas corpus. Com o cenário de congestionamento, consequente lentidão nos julgamentos e o temor de que a justiça tardia seja injustiça, o STJ aprovou na última semana uma proposta de emenda constitucional para filtrar processos e implementar o mecanismo da repercussão geral, já adotado com êxito no Supremo Tribunal Federal (STF). A medida, no entanto, gerou polêmicas e questionamentos, inclusive por parte de ministros do Supremo.

“O STJ perderia uma das características mais marcantes, que é de Corte uniformizadora da jurisprudência. Não vejo como se possa transportar para o STJ o instituto da repercussão geral”, afirmou Marco Aurélio Mello ao DCI. O ministro do STF se junta às críticas feitas pela advocacia. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que a PEC, que será enviada ao Congresso, era equivocada. “O direito da parte de ajuizar um recurso não pode ficar prejudicado em razão do volume de processos existente no Superior Tribunal de Justiça”, disse em nota o presidente nacional da entidade.

Segundo o STJ, a mudança passaria a inserir a relevância da questão federal a ser decidida como requisito para admissão do recurso especial. Para Ophir Cavalcante, o País teria, com a repercussão geral anunciada, um direito federal por Estado caso a Corte venha a decidir que aquela matéria não se enquadra na hipótese de repercussão geral.

O STJ, no entanto, afirma que o filtro serviria para impedir que o Tribunal atue como terceira instância, apreciando decisões de segundo grau que já aplicaram entendimento adotado nas cortes superiores. O ministro Massami Uyeda afirmou ao DCI que a medida já deveria ter sido adotada quando da Emenda Constitucional 45, de 2004, conhecida como Reforma do Judiciário. “O legislador foi um pouco tímido. Ele apenas previu para o Supremo e esqueceu-se que o grosso da demanda é julgado no STJ”, diz.

Segundo Uyeda, que esteve em evento do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp), o STJ é um Tribunal de precedentes, não de revisão. “É natural que assuntos que sejam de uma mesma natureza e que tenham essa relevância geral sejam elevados a um paradigma, porque a tese em si que se discute nesses processos são semelhantes”, diz.

Para ele, o instrumento fez com que o Supremo pudesse se posicionar em relação aos temas de grande importância para o País. “Se fizermos isso também para o STJ, pois espero que isso desperte a sensibilidade de todos, nós também iremos proporcionar uma Justiça mais rápida, mais idônea e um processo com tempo razoável de duração”, destaca.

Hoje, segundo o ministro, o jurisdicionado tem toda a razão de reclamar uma demora na prestação jurisdicional. Em 2011, foram distribuídos 37 mil habeas corpus, quase todos com pedido de liminar, aos dez ministros que compõe as duas Turmas de Direito Penal.

Uyeda lembra que a grande quantidade de ações decorrentes de critério de aferição de pagamento de juros em ações de empresas telefônicas poderiam ser levadas à repercussão geral – segundo ele, há hoje no STJ mais de 1 milhão de casos sobre o tema.

Outra questão levantada por ele seria a discussão sobre a responsabilidade das seguradoras dos planos de saúde privados pela integralidade da prestação dos serviços de saúde, função obrigatória e primária do Estado segundo o ministro. “O mecanismo é para aperfeiçoar a prestação jurisdicional, não só em defesa do próprio Tribunal, mas em defesa da cidadania e da população do País”, diz Uyeda.

De acordo com o STJ, os julgamentos feitos hoje pelo rito dos recursos repetitivos no Tribunal não são suficientes, embora já tenham levado a uma redução no número de recursos especiais julgados. De setembro de 2007 a agosto de 2008, foram recebidos 101 mil recursos. No mesmo período, o STJ recebeu 64 mil recursos em 2009 e 49 mil em 2010. Porém o número voltou a subir em 2011, com o recebimento de 77 mil recursos especiais.

Nos recursos repetitivos, o julgamento dos demais casos fica suspenso até a decisão final. Depois disso, os tribunais de origem deverão aplicar o entendimento de imediato, subindo ao STJ apenas os processos em que a tese contrária à decisão da Corte seja mantida em segunda instância.

“A repercussão geral teria natureza quase idêntica ao recurso repetitivo, mas permitiria, na relevância geral, que processos que também sejam de massa possam receber esse enfoque imediatamente. O próprio relator poderá atribuir a repercussão”, diz o ministro Uyeda.

De acordo com a PEC do STJ, o parágrafo único do artigo 105 da Constituição se transformaria em parágrafo 2º e seria introduzido o parágrafo 1º, com a seguinte redação: “no recurso especial o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.”

Marco Aurélio Mello, do Supremo, afirma que o direito é nacional e, assim, é preciso ter um mecanismo que leve a enfoques idênticos diante dos mesmos fatos. O ministro insiste em sua proposta, feita em setembro do ano passado, de dobrar o número de ministros no STJ para 66 integrantes. A proposta já foi descartada pelo Tribunal, que preferiu tomar medidas internas.

Para Mello, o aumento do número de processos no STJ aumenta a carga de trabalho no Supremo. “Nós ficamos na Turma do Supremo julgando habeas corpus em que se pede que o STJ julgue habeas corpus parado há três anos. Nem habeas corpus, que tem preferência legal e regimental, ganha a celeridade que lhe é própria. Eu penso que a solução é aumentar o número de cadeiras. Mas ninguém quer dividir o poder. Acha-se que há perda de prestígio com o aumento do número de integrantes”, afirma.

Fonte: DCI – Diário Comércio Indústria & Serviços

Por Andréia Henriques

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