Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: produto deve atender a uma necessidade da empresa, e não de seus clientes
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) em discussões envolvendo apenas empresas. Os ministros ampliaram o conceito de consumidor final, passando a entender que a pessoa jurídica pode ser enquadrada nesta categoria se for vulnerável na relação, mesmo que o produto seja usado como insumo.
As discussões sobre o que é insumo também têm tomado a pauta dos ministros. Recentemente, a 3ª Turma analisou processo sobre a compra de um helicóptero pela incorporadora Skipton. A aeronave foi adquirida da Líder Táxi Aéreo para uso da diretoria. Nesse caso, entendeu-se que não seria usado na produção. Assim, a Skipton poderia ter ajuizado a ação em Curitiba, onde está sua sede. Ainda cabe recurso.
Pelo CDC, ação de responsabilidade civil de fornecedor de produtos pode ser proposta no domicílio do autor. No recurso ao STJ, porém, a Líder defendia que não haveria relação de consumo e que a Skipton não é vulnerável, por ter adquirido um bem de alto valor. Por isso, entendia que o processo teria que ser ajuizado em Belo Horizonte, onde está sua sede, ou no exterior.
Em seu voto, o ministro relator Paulo de Tarso Sanseverino afirma que o STJ tem considerado que a pessoa jurídica pode ser consumidora quando adquirir o produto ou serviço como destinatária final, utilizando-o para atender a uma necessidade sua, não de seus clientes. “Conforme restou consignado no acórdão recorrido, a aeronave foi adquirida para atender a uma necessidade da própria pessoa jurídica (deslocamento de sócios e funcionários), não para ser incorporada ao serviço de administração de imóveis”, diz o relator.
Simone Zonari, advogada da Skipton no caso, defendeu a aplicação do CDC. “Por mais que a venda tenha sido para uma empresa, ela era consumidora final”, afirma. Já Marcelo Carpenter, advogado da Líder, não vê sentido na aplicação do CDC. “Essa é uma legislação protetora da parte mais fraca. Nesse caso, tem-se uma empresa grande que comprou um avião caríssimo. Não faz sentido aplicar o Código de Defesa do Consumidor”, diz.
No começo do mês, a 3ª Turma já havia reconhecido a aplicabilidade do CDC em caso em que uma empresa do ramo de comércio de automóveis contratou seguro para proteger os veículos mantidos em seu estabelecimento. No processo, a seguradora negou a cobertura do prejuízo decorrente do furto de uma caminhonete nas dependências da empresa. Também há decisões da 1ª e da 2ª Turma nesse sentido.
A ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma, em voto proferido no fim de 2012, afirma que a jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. E que agora está evoluindo para uma “aplicação temperada da teoria finalista”.Essa evolução significa a admissão, em determinadas hipóteses, de que uma empresa que compra um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade – “que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo”, segundo a ministra.
Com base nesse entendimento, a 3ª Turma permitiu que uma costureira utilizasse o Código de Defesa do Consumidor. No caso, ela reclamava contra uma cláusula do contrato com a fabricante de máquinas de costura que elegia o foro de São Paulo, sede da empresa, para resolver eventuais controvérsias. A costureira, moradora de Goiânia (GO), havia comprado a máquina de bordado em 20 prestações.
De acordo com Bruno Bóris, professor de direito do consumidor na Universidade Mackenzie, o STJ vem aplicando a corrente da “teoria finalista aprofundada”. De acordo com essa teoria, para a empresa ser considerada consumidora é necessário haver uso próprio do bem adquirido – e não como insumo na produção – ou a vulnerabilidade na relação com o fornecedor.
Essa questão, porém, não deve ser analisado por meio de recurso repetitivo, segundo Vinicius Zwarg. “É preciso avaliar cada caso”, diz.
Por Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico