Inicialmente vale pontuar que a lei responsável por regular as locações dos imóveis urbanos é a Lei 8.245/1991, denominada Lei do Inquilinato
Como é sabido, o contrato de locação é um dos mais utilizados nos últimos anos e por ser tão usual, é de suma importância que se tenha conhecimento sobre os direitos e deveres, tanto do locador, quanto do locatário, pois o maior índice de controvérsias está ligado à divisão de responsabilidades entre inquilinos e proprietários.
Dentre os principais deveres do locador estão a entrega do imóvel em estado para o uso a que se destina; garantia do uso pacífico do imóvel; mantença da forma e destinação do imóvel; obrigação quanto aos vícios/defeitos anteriores à locação; minuciosa descrição do estado do imóvel quando solicitado; fornecer recibo discriminado das importâncias pagas; pagar os impostos e taxas, bem como o prêmio de seguro complementar contra fogo incidentes sobre o imóvel (seguro contra incêndio), exceto se o contrato prever cláusula em sentido contrário; pagar as despesas extraordinárias de condomínio, dentre outros.
Já os principais deveres do locatário são o de pagar pontualmente o aluguel e encargos da locação, sejam estes legais ou contratuais; utilizar o imóvel para o fim a que se destina; devolver o imóvel no estado em que o recebeu ao final da locação, ressalvadas as deteriorações advindas de seu uso normal; informar o proprietário imediatamente sobre qualquer dano ou defeito cuja reparação seja de responsabilidade deste e eventuais turbações de terceiros; reparar danos no imóvel; não modificar a forma interna ou externa do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador; pagar as despesas de telefone e de consumo de força, luz e gás, água e esgoto; permitir a vistoria do imóvel pelo locador ou por seu mandatário, mediante combinação prévia de dia e hora, cumprir a convenção de condomínio e regulamentos internos; pagar as despesas ordinárias de condomínio, dentre outros.
Não obstante, com relação à pandemia Covid-19, algumas situações excepcionais estão sendo adotadas em relação aos contratos de locação, pois o setor imobiliário foi gravemente afetado pela crise, onde diversas empresas tiveram que suspender suas atividades por determinado período, em especial as lojas de shopping centers, os quais ficaram totalmente fechados por meses e há pouco tempo estão podendo retomar gradativamente às atividades, com uma série de cuidados, restrição de pessoas e medidas sanitárias.
Neste contexto, algumas obrigações atreladas ao contrato de locação restaram prejudicadas, tais como o adimplemento, ante a suspensão das atividades exercidas pelo locatário, abrindo margem para tentativas de acordo junto ao proprietário e, no insucesso, após o esgotamento das medidas extrajudiciais, a possibilidade de propositura de ação revisional de contrato de aluguel.
Porém, deve ser levado em conta de que não é cabível a suspensão indiscriminada e irrestrita do contrato de locação em razão da impossibilidade de pagar, sob pena de restar comprometida a segurança jurídica, o equilíbrio contratual e o que fora convencionado livremente pelas partes.
Logo, o mais apropriado é falar-se na suspensão da obrigação de pagar o aluguel e não do contrato de locação propriamente dito, pois os demais deveres objeto da locação, tanto os do locador, quanto os do locatário, não devem ficar suspensos, devendo ser cumpridos normalmente, caso a discussão seja apenas e tão somente com relação ao aluguel.
A alteração da base do negócio jurídico, a manifesta desproporção das prestações, aliadas à aplicação da Teoria da Imprevisão, abriram margem para a revisão dos contratos de locação e alguns magistrados entenderam que o dever de pagar aluguel deve ficar suspenso enquanto durar a discussão do processo judicial e, no caso dos Shopping Centers, houve decisão no sentido de que o shopping cobrisse o valor do condomínio de forma proporcional aos dias em que houve fechamento dos estabelecimentos, bem como a suspensão da exigibilidade da taxa de Fundo de Promoções e Propaganda enquanto perdurarem os efeitos da pandemia.
Outros juízes, porém, estão entendendo pela retirada da eficácia da exigibilidade do aluguel, mas as prestações devem ficar diferidas no tempo e ainda há entendimento pela redução de 20% (vinte por cento) a 30% (trinta por cento) do valor do aluguel.
Outrossim, ainda que a pandemia seja considerada um fato público e notório, é preciso comprovar, como por exemplo no caso da locação comercial, que a queda ou ausência de faturamento da empresa sofreu limitações ao funcionamento em razão dos decretos publicados e buscar-se um desconto temporário. Já no caso de locações residenciais, torna-se mais difícil a discussão neste sentido.
Convém destacar ainda que o art. 9º da Lei n.º 14.010/2020, previa a impossibilidade da concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59,§ 1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245/1991, até 30 de outubro de 2020 e até o presente momento referido período não fora prorrogado.
Portanto, a discussão quanto às obrigações do contrato de locação de forma genérica não é admitida, bem como os entendimentos não estão pacificados, dependendo da análise de cada caso concreto. Sobretudo, diversos fatores devem ser comprovados a título de prova pré-constituída, assim como a boa-fé, a fim que de que seja demonstrado ao magistrado a real alteração na base do negócio jurídico realizado antes da pandemia.
Marília de Oliveira Lima Reis, advogada da área civil e Empresarial da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados